REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Turba/Turbamulta (ES) | Turba/Turbamulta (PT)

Author: Fernanda Olival

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/tcxg-rf58


Do latim turba, ae. Designava multidão de pessoas quando reunidas; grupo de pessoas em desordem; confusão; turbilhão.

Segundo os dados do Vocabulário histórico-cronológico do português medieval, a palavra já existia no português do século XV. No entanto, para o castelhano, o substantivo em causa está documentado desde cerca de 1230, com a investigação disponível no Corpus del Diccionario histórico de la lengua española. Por volta de 1495, Antonio Nebrija não contemplou a palavra no seu Vocabulario español-latino, editado em Salamanca, mas na entrada “Muchedumbre de ombres” atribuía-lhes as palavras latinas “turba.ae. coetus.us” ((Nebrija 1495). Também Jerónimo Cardoso não abriu uma entrada portuguesa no seu Dictionarium para turba. Este mesmo Autor, no entanto, fez equivaler “emborulhada. s. reuolta. Turba(ae)”; fez o mesmo na entrada da palavra portuguesa “revolta”. Na parte latina do seu Dictionarium, “turba,ae” é traduzida para português como “A reuolta de gente sem ordem” (Cardoso 1569-70).

Em 1611, Covarrubias definia o significado do vocábulo nos seguintes termos: “la muchedumbre de gente confussa y desconcertada”. Ou seja, punha a ênfase no carácter desorganizado da multidão (Covarrubias 1611).

O jesuíta Bento Pereira (1605-1681) na sua trilingue Prosódia (Pereira 1634) traduzia “Turba, ae” por “A reuolta de gente, turbamiento”. No seu Thesouro (1647), não incluiu a palavra, mas apresentou “Turbamulta de gente. Cumeus, ei. Turba, ae”. Para ele, também “Zaragalhada” era equivalente a “Turba multa. Multitudo, inis” (Pereira 1647). De notar que a palavra turbamulta ainda hoje é usada em espanhol e português e é termo que provém diretamente do latim turba multa. Tal como no passado, designava uma grande multidão de pessoas. No castelhano, a expressão usava-se desde pelo menos meados do séc. XV: “entiendo por el pueblo ya dicho la turba multa de las cobdiçias tenporales e humanas” (Cartagena, 1967, p. 45).

Bento Pereira, contudo, no seu Thesouro, elencou várias palavras portuguesas como equivalentes à turba,ae latina. Para além da já referida turbamulta eram elas: “Apelido do povo” (também significava “Seditio, onis. Tumultus, us”); “Apertam de gente”; “Choldabolda” (que também traduzia por “tumultus,us”); “Chusma”; “Embrulhada, id est, revolta” (igualmente fazia-a equivaler a “Tumultus, us. Seditio, onis. Turba, ae”); “multidam”. Aliás, na edição de 1697, já póstuma da Prosodia, turba,ae foi traduzida por “A multidão; motim, revolta, força, alboroto, perturbaçam; item variedade, diversidade. Cic.”. Fazia-se assim remontar a Cícero este entendimento da palavra (Pereira 1697, 7ª ed).

Para Bluteau, em 1721, “turba” era apenas a multidão e salientava que o termo se usava também na área da Música para designar a junção de vários coros (Bluteau 1721). Em 1739, para o Diccionario de Autoridades, excluídos os exemplos, turba era resumida a “Muchedumbre de gente confusa, y desordenada. Es voz puramente Latina”. Turbamulta tinha o mesmo significado e apenas enfatizava o grande número de pessoas: “s. f. Concurso grande, ò muchedumbre numerosa de gente confusa, y desordenada, ù de otra cosa” (REA 1739).

Em 1832, no Dicionário de Luís Maria da Silva Pinto, turba era sintetizável por multidão de gente e turbamulta por “grande multidão” (Pinto 1832).

Para além da referência a coros musicais, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa resume os dois grandes eixos de sentido que o termo turba alcançou ao longo do tempo: por um lado “grade número de pessoas”; por outro, “multidão em movimento ou desordem” e acrescenta-lhe “potencialmente violenta”. A estes conjuntos de sentido agrega-lhe mais duas ideias pertinentes, que muitas vezes marcaram o entendimento deste termo ao longo do tempo. A primeira é de ordem sociológica: “o conjunto dos grupos menos favorecidos de uma comunidade; o vulgo, o populacho”, ou seja, indica a presença de um aglomerado de populares. A segunda realça que a palavra muitas vezes é empregue com sentido pejorativo (Houaiss 2001).

Todas estas observações estão muito presentes no uso da palavra atual, mas também estariam no passado. Com efeito, sobre a conotação de turba com grupos populares, em 1645, D. Francisco Manuel de Melo usa o vocábulo nesse sentido para comentar o parecer de um ministro castelhano sobre a Restauração portuguesa que teria dito: “Pocos, ò ningun Portuguez uvo tan continente que supiesse dissimular el avorrecimiento que tenian al govierno de nacion Castellana, y solo variavan en que aquellos que teniamos por confidentes, y amigos nos decian por burla lo mesmo que la mas turba referida [referían] desenfrenadamente” (Melo, 1645: 31; Almeida, 1940: 44-45). Na sua apreciação, D. Francisco Manuel de Melo acabou por ter presente a oposição nobreza/ vulgo ou plebe, associando esta última à turba. Deste modo, pelo menos em meados do século XVII, o termo já teria esse referente de camadas populares e como tal um cunho de teor negativo, tanto em Castela como em Portugal.

Em diferentes contextos geo-espaciais e histórico a resistência podia ocorrer associada a multidões (turbas) em desordem. Era uma das linhas estruturais dos processos de revolta e a palavra tende a acorrer nas descrições destas movimentações.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez, e latino, Vols VIII, Lisboa: na Officina de Pascoal da Sylva, 1721.

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Covarrubias Horozco, Sebastián, Tesoro de la lengua castellana, o española, Madrid, Luis Sanchez, 1611.

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Fontes
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Bibliografia
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Webgrafia
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