REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Rumor/Rumores (ES) | Rumor/Rumores (PT)

Author: Ângela Barreto Xavier

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa

https://doi.org/10.60469/8yyc-gg26


A palavra rumor teve vários significados, sendo um dos mais frequentes, aquele associado a ruído. Este ruído, porém, podia ter conotações políticas, nomeadamente quando se disseminava em surdina, de modo a fazer circular o descontentamento em relação a determinadas pessoas e situações.

Em 1728, no Vocabulario Portuguez & Latino, Rafael Bluteau define rumor como “voz pública” e “fama”. Significados semelhantes surgem nos dicionários de português de António de Moraes Silva, de finais do século XVIII, e de brasileiro de Silva Pinto, de 1832, ou em dicionários castelhanos mais antigos ( Bluteau, vol. 7, 1728, p. 491; Silva, 1789, vol. 2, p. 649; Pinto, 1832; Florentín, 1632,  p. 357, 2). Todavia, Bluteau reconhece que um outro significado de rumor era o de “cousa que se espalha, não em público, mas secretamente”, significado análogo ao do Tesoro de la lengua castellana o española, de Sebastian de Covarrubias, e que volta a surgir no Diccionario de lengua castellana da Academia Real das Sciencias (Bluteau, vol. 7, 1728, p. 491; Covarrubias, 1611; RAE, vol. 5, p. 37). Nas citações que anexa à voz rumor, Bluteau refere o “rumor do povo queyxoso, ou amotinado”, ou, citando a Monarchia Lusitana, de inícios do século XVII, “o rumor do povo, que blasfemava da crueldade”. Efectivamente, uma das associações recorrentes entre os significados recenseados por Bluteau é entre rumor e descontentamento social. Aliás, um século antes, nas Centúrias de Amaro de Roboredo incluía-se o seguinte dito latino, traduzido em português: “Para destruiçaõ, ou desventura qualquer rumor basta” (Bluteau, vol. 7, 1728, p. 491; Roboredo, 1623, p. 34). Esta associação é ainda mais precisa Diccionario castellano de Esteban Terreros y Pando. Aqui, rumor aparece, em primeiro lugar, como “ruido, murmúrio” e, logo a seguir, como “riña, sedicion, tumulto” (Terreros y Pando, 1788, p. 406, 2).

Apesar destes significados, a palavra não aparece com muita frequência no vocabulário de textos claramente políticos ou com uma dimensão reivindicativa. É mais comum encontrar publicações que reagem a “rumores”, tais como o Manifiesto que publica el Teniente Coronel de los egercitos nacionales don Antonio del Hierro y Oliver, contra los escritos, rumores y dicterios de los que han pretendido infamarle, de 1821 (Hierro y Oliver, 1821), do que textos cujos títulos referem esses mesmos rumores contra determinadas pessoas ou instituições. Tal dever-se-á ao facto de a maior parte dos rumores circular oralmente, ou ser disseminada através de panfletos e pasquins manuscritos, dos quais subsistem hoje poucos exemplares. Um pasquim famoso é o “Paschim que amanheceo a 4 de outubro [1]667 andando o Pouo amotinado contra as trayçoens do Conde de Castelm.or”, que dava conta dos rumores que circulavam em torno às mudanças políticas que estavam a acontecer na corte portuguesa nesse período (BNL, Paschim, 1667). Outros lugares em que a expressão é utilizada no seu sentido político são narrativas e crónicas, caso da Historia general del Perú, origen y descendencia de los incas, de 1613, na qual se refere, a propósito das queixas dos curacas, que Francisco Pizarro tinha conseguido resolver a situação, o que conduzira ao apaziguamento daquelas terras “y los indios juntándose en sus pueblos como de antes, sin que vbiesse rumor ni rebuelta entre ellos (Murúa, 1961 [1613], fl. 140).

Uma pesquisa mais extensa por este tipo de textos, pelo teatro ou outras narrativas da época permitirá aceder às múltiplas situações em que o rumor estava associado, de uma ou de outra maneira, à resistência política, indo ao encontro da historiografia, a qual tem destacado o seu papel não apenas como acto de resistência em si-mesmo, mas também como um condutor de sentimentos de injustiça, eventualmente propiciador de outras manifestações colectivas dessa resistência inscrita.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez & latino, áulico, anatómico, architectonico […], vol. 7, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1728, http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/rumor

Florentín, Lorenzo Ranciosini, Vocabolario español-italiano, ahora nuevamente sacado a luz [...]. Segunda parte. Roma, Iuan Pablo Profilio, a costa de Iuan Ángel Rufineli y Ángel Manni, 1620. P. 357, 2

Covarrubias, Sebastian de, Tesoro de la lengua castellana o española, Madrid, Luis Sánchez, 1611.

Pinto, Luís Maria da Silva, Diccionario da Lingua Brasileira, Typographia de Silva, 1832, http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/3/rumor   

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...], vol 5, Madrid, Imprenta de Francisco del Hierro, 1737. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Silva, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, vol. 2, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1789. http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/2/rumor

Fontes impressas
Hierro y Oliver, Antonio del, Manifiesto que publica el Teniente Coronel de los egercitos nacionales don Antonio del Hierro y Oliver, contra los escritos, rumores y dicterios de los que han pretendido infamarle, 1821, s.l., s.n.

Murúa, Fray Martín, Historia general del Perú, origen y descendencia de los incas, 1613 [Madrid, Joyas Bibliográficas, 1961]

Paschim que amanheceo a 4 de outubro [1]667 andando o Pouo amotinado contra as trayçoens do Conde de Castelm.or , Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), COD. 589//40, http://purl.pt/33916

Roboredo, Amaro de, “Centúrias”, Porta de linguas ou modo muito accomodado para as entender publicado primeiro com a tradução Espanhola. Agora acrescentada a Portuguesa com numeros interliniaes, pelos quaes possa entender sem mestre estas linguas o que as não sabe [...], Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1623.

Terreros y Pando, Esteban de, Diccionario castellano con las voces de ciencias y artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana [...]. Tomo tercero (1767), Madrid, Viuda de Ibarra, 1788.