REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Liberto(a) (ES) | Forro(a)/ Liberto(a) (PT)

Author: Isa Maria Moreira Liz

Affiliation: PIUDHist-CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/hxns-9h18


A primeira versão do Vocabulario de Bluteau, no início do século XVIII, associa o conceito de forro à pessoa que foi liberta, ou ainda, “a quem o seu próprio senhor tem dado liberdade” (Bluteau 1713, v. 4: 182). Liberto/a, por sua vez, vem redirecionado ao conceito de forro/a, ou mais especificamente, ao “Escravo forro. Escravo que tem carta de alforria” (Bluteau 1716, v. 5: 113). O mesmo se passa com a sua derivação a libero, também tratado por um “Livre, forro, que saiu da escravidão” (Diccionario da Lingua Brasileira, 1823). Importa dizer que ao menos a historiografia relativa ao Brasil toma estes conceitos como sinónimo – talvez pelo seu contexto histórico tão específico face às vias de aquisição de liberdade pela pessoa escravizada.

Segundo as Ordenações Filipinas, ainda no século XVII, o conceito se tratava de uma forma de difamação relativamente ao estado da pessoa (1603, v. II–III: 575). O vocabulário espanhol parece não aplicar usualmente o mesmo adjetivo português – o conceito mais próximo no catálogo da Real Academia Española descreve aforamiento como “la acción de aforrar, o la liberdade al esclavo” (Academia Usual, 1780: 26) – mas não faz menção ao termo de forro/a em si. Em contrapartida, o conceito de liberto/a passa por uma certa perda de agência no que toca ao processo de libertação. Em 1705, é liberto aquele “libre de escravitud” (Sobrino, 1705: 231), mas já a partir 1734 os vários vocabulários espanhóis passam a fazer referência ao “esclavo puesto en libertad” (Terreros y Pando, 1787: 448), e mais à frente, “á quien se ha dado libertad, respecto de su patrono” (RAE, 1837: 447). Tal noção paternalista, presente ao menos até o século XX, acaba por focar na concessão de liberdade por parte dos/as senhores/as de escravos/as, e não no agenciamento da pessoa escravizada que também tornou isto possível, como se verá a seguir.

Os impérios português e espanhol são marcados pela reprodução de políticas coloniais escravistas, associadas a práticas meritocráticas, inclusive. Por norma, o aforamento de pessoas escravas dependia dos/as seus/as proprietários/as: podiam tornar-se forras por iniciativa dos seus senhores (i), ou então quando conseguissem pagar pela própria liberdade (ii) (Salmoral, 1999: 357; Mattoso, 2018: 200). No primeiro caso, não havia custos para a pessoa a ser libertada, e as justificações dos senhores eram sobretudo pelos bons serviços prestados, como se lê numa carta de alforria redigida no Rio de Janeiro, em meados do século XIX (Carta de Alforria, BNDigital, 1855). Em muitos casos, a liberdade concedida só teria lugar depois da morte do/a seu/a proprietário/a, ou então, após um período de trabalho previamente determinado entre as partes, a liberdade condicional – conceito que gerou dúvidas e controvérsias sobre a aplicação do seu estatuto jurídico (Evangelista, 2013). As mulheres eram maioria entre as pessoas alforriadas no Brasil (Paiva, 2017: 109), muitas das quais negociavam a sua liberdade a partir do trabalho extra das jornas diárias pago aos seus senhores – esta foi, inclusive, uma característica do aforramento em certas partes do território brasileiro (Dantas, 2015). Em São Paulo, listas nominativas desde 1765 registaram a presença de pessoas já forras, mas também daquelas escravas ganhadeiras que muito provavelmente estariam a tentar juntar algum capital para futuramente pagar pela sua liberdade.

Talvez por esta certa margem de manobra das pessoas escravizadas, o Diccionario de Morais e Silva, de 1789 defina o adjetivo de forro/a sem menção ao senhor de escravo, e sim, aquele/a “que saiu da escravidão, liberto [...] que não paga foro nem direitos, livre” (Silva, 1789, 1: 630). 

Após 1755, quando Portugal decreta a proibição da escravização indígena, o conceito de forro/a é atribuído apenas a africanos/as e/ou descendentes de africanos/as. É apenas no século XIX que são promulgadas as primeiras leis abolicionistas nas antigas colónias portuguesa e espanhola – por fim libertas, mas sem qualquer apoio de inclusão social de políticas públicas.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez, e latino [...], v. 4, Lisbon, Officina Pascoal da Sylva, 1712-1728, https://www.bbm.usp.br/en/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico

Pinto, Luiz Maria da Silva, Diccionario da Lingua Brasileira [...], Ouro Preto, Typographia de Silva, 1823.

Real Academia Española, Real Academia Española. Diccionario de la lengua castellana compuesto por la Real Academia Española, reducido a un tomo para su más fácil uso, Madrid, Joachín Ibarra, 1780. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUISalirNtlle

Real Academia Española, Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española, Octava edición, Madrid, Imprenta Nacional, 1837. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUISalirNtlle

Silva, António Morais e, Diccionario da Lingua Portugueza [...] A-K, v. 2, Lisbon, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789.

Sobrino, Francisco, Diccionario nuevo de las lenguas española y francesa, Brussels, Francisco Foppens, 1705. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUISalirNtlle

Terreros Y Pando, Esteban de, Diccionario castellano con las voces de ciencias y artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana [...], Madrid, Viuda de Ibarra, 1787. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUISalirNtlle

Fontes 
“Carta de Alforria passada por Jose Martiniano de Alencar em nome de sua escrava Angela (1855)”, Biblioteca Nacional Digital do Brasil. 

“Maços da População (1765-1798)”, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Secretaria de Governo da Capitania de São Paulo, Justiça.

Ordenações Filipinas, Livros II–III, Título XI: Dos que podem ser citados perante os Juízes ordinários, ainda que não sejam achados em seu território, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1603, 575–576.

Bibliografia
Mattoso, Katia M. de Queirós, Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX, Petrópolis, Vozes, 2018.

Paiva, Eduardo França, “Alforrias”, in Schwarcz, Lilia Moritz, e Gomes, Flávio dos Santos (eds), Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 textos críticos, São Paulo, Companhia das Letras, 2018).

Dantas, Mariana, “Slave Women and Urban Labor in the Eighteenth-Century Atlantic World”, in Forret, Jeff, and Sears, Christine E., New Directions in Slavery Studies: Commodification, Community, and Comparison, Baton Rouge: LSU Press, 2015, 179–200.

Evangelista, Rafael Julião, Entre escravos e forros: a condição limítrofe dos libertos condicionalmente e a justiça paranaense no final do século XIX (1875-1888), Curitiba: Universidade Federal do Paraná (LLB Thesis), 2013. https://hdl.handle.net/1884/35699

Salmoral, Manuel Lucena, “El derecho de coartación del esclavo em la América Española”, Revista de Indias, LIX (216), 1999, 357–374. https://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/726