REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Lamento/Lamentos (ES) | Lamento/Lamentos (PT)

Author: Ângela Barreto Xavier

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa

https://doi.org/10.60469/5nvp-gc49


Na Origen y etimologia de todos los vocábulos originales de la Lengua Castellana, de Francisco del Rosal, de 1611, na versão acrescentada do agostinho Fr. Miguel Zorita de Jesús María, recordava-se que a palavra lamento (à semelhança de lamentar) era de origem latina (Rosal 1611: 381). Oriunda de lamentari, as palavras lamento/lamentos, bem como as que fazem parte da mesma família tinham significados semelhantes nos dicionários de língua espanhola e portuguesa dos séculos XVII e XVIII. No seu Vocabulario de Synonimos, Rafael Bluteau define lamentos como: “Lastimas. Suspiros. Gemidos. Dor. Pranto. Choro.” (Bluteau 1728: 222), apesar de, no mesmo ano, no Vocabulario Portuguez & Latino incluir apenas a palavra no singular, reenviando o seu significado para “lamentação”. E o significado desta terceira palavra é, para Bluteau, a “tristeza que se exprime com lagrimas, gemidos e vozes fúnebres”.  É na voz “lamentarse” que o significado atribuído por Bluteau, “queixarse”, reenvia para práticas que, tendo uma dimensão pública, podiam reflectir o mal-estar em relação a determinada situação, nomeadamente política e social (Bluteau 1728, v. 5: 28). Algo de semelhante acontece, aliás, no Diccionario de la lengua castellana, nas suas várias edições setecentistas, mas também oitocentistas (RAE 1734, t. 4: 353, 2; RAE 1780: 572:2; RAE 1843: 472,3). Do mesmo modo, os sentido não se alteraram muito no universo da língua portuguesa: no final do século, no Diccionario de António de Moraes Silva, lamento é definido como “voz lúgubre com que se exprime a dor, desgraça”, e sentidos muito próximos surgem, também, no Diccionario de Lingua Brasileira de Luis Maria da Silva Pinto (Silva 1789, v. 2: 202; Pinto 1832).

É sobretudo em publicações encomiásticas de carácter fúnebre ou amoroso, algumas delas em registo musical, que estes sentidos fixados pelos vocabulários e dicionários peninsulares se manifestam mais frequentemente. Mas as palavras da família de lamento também eram utilizadas em textos com uma dimensão política e social mais explícita, como as petições e os requerimentos. Esse é o caso do “Requerimento do Juiz do povo e Casa dos Vinte e Quatro Mesteres de Lisboa”, de 1749, onde se refere o “lamento dos pobres officiaes, filhos da mesma Casa” devido às mudanças estabelecidas no provimento de ofícios (Oliveira 1906, I - t. 15: 113), solicitando ao rei D. João V o restabelecimento da antiga praxe, como em impressos, sobretudo em contexto espanhol, como acontece com os Lamentos apologicos de abusos dañosos, del pueblo bien recibidos, por mal entendidos (…), ou os Lamentos del reyno de Galicia oprimido, da segunda metade do século XVII (Martínez de Mata 1653; Lamentos c. 1650).

Quando utilizados para exprimir “queixas”, os vocábulos lamento/lamentos denotavam o mal-estar provocado por determinadas situações, bem como a recusa ou resistência em aceitar as mesmas, solicitando a sua alteração às autoridades responsáveis por essas mudanças. Casos recorrentes são as queixas apresentadas ao rei contra a acção de oficiais régios, como atesta um decreto de D. João IV, rei de Portugal, a ordenar à Junta dos Três Estados que “proceda às diligências necessárias para averiguar os procedimentos de Manuel Mendes Barbuda, Ouvidor de Valença, tendo em conta as queixas apresentadas” (Decreto, 1656); as que eram apresentadas por religiosos contra os seus superiores, como as Memórias dos Frades Agostinhos Descalços da Congregação de Portugal e relatórios expondo as suas queixas e defesa contra os castigos ministrados pelo Núncio Apostólico Vincenzo Bicchi, de 1714 (Memórias, 1714); ou, ainda, as queixas feitas por comunidades, como Las repetidas quejas y representaciones con que de varias provincias del Reyno, y con especialidad la de Palencia, han acudido al Rey nuestro Señor algunos pueblos y particulares, manifestando y justificando el modo arbitrario y abusivo con que los Comisionados militares han hecho y hacen en ella la requisicion de dispersos y desertores (Las repetidas, c. 1814).
À semelhança de outros vocábulos – como clamor ou suspiro – também estas palavras constituem lugares de análise relevantes para aceder a formas de resistência cuja visibilidade nem sempre é imediata.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario de synonimos, e phrases portuguezasSupplemento ao Vocabulário Portuguez e Latino, vol. 2, Lisboa, Patriarcal Officina de Musica, 1728, http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/default.asp?url=Ler&Serie=27

Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez & latino, áulico, anatómico, architectonico […], vol. 5, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728, http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/lamento

Pinto, Luís Maria da Silva, Diccionario da Lingua Brasileira, Typographia de Silva, 1832. http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/3/lamento

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana compuesto por la Real Academia Española, reducido a un tomo para su más fácil uso. Madrid, Madrid .
Joachín Ibarra, 1780. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española. Novena edición, Madrid, Imprenta de D. Francisco Maria Férnandez, 1843. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...], tomo 4. Madrid, Imprenta de Francisco del Hierro, 1734. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Rosal, Francisco del, Origen y etymología de todos los vocablos originales de la Lengua Castellana. Obra inédita de el Dr. Francisco de el Rosal, médico natual de Córdova, copiada y puesta en claro puntualmente del mismo manuscrito original, que está casi ilegible, e ilustrada con alguna[s] notas y varias adiciones por el P. Fr. Miguel Zorita de Jesús María, religioso augustino recoleto, Biblioteca Nacional de Madrid, Ms. 6926. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Silva, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, vol. 1, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1789. http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/2/lamento

Fontes impressas
Decreto de D. João IV a ordenar à Junta dos Três Estados que proceda às diligências necessárias para averiguar os procedimentos de Manuel Mendes Barbuda, Ouvidor de Valença, tendo em conta as queixas apresentadas (Lisboa, 19 de Agosto de 1656), Biblioteca Nacional de Portugal, Cod. 10563//157.

Lamentos del reyno de Galicia oprimido con los tiranicos procederes del conde Chichirinabo y del marques de Azeyte y Vinagre su administrador, expressados al marques de Risbourg su virey, s.l., s.n., c. 1650.

Las repetidas quejas y representaciones con que de varias provincias del Reyno, y con especialidad la de Palencia, han acudido al Rey nuestro Señor algunos pueblos y particulares, manifestando y justificando el modo arbitrario y abusivo con que los Comisionados militares han hecho y hacen en ella la requisicion de dispersos y desertores, c. 1814, Biblioteca Nacional de España, Sede de Recolectos, VE/983/26.

Martínez de Mata, Francisco, Lamentos apologicos de abusos dañosos, del pueblo bien recibidos, por mal entendidos, sembrados por los Estrangeros en descredito de los españoles en que se manifiesta el origen de tantos tributos: y como su remedio consiste en la hermandad de los gremios de las artes, y ofícios, s.l., s.n., 1653.

Memórias dos Frades Agostinhos Descalços da Congregação de Portugal e relatórios expondo as suas queixas e defesa contra os castigos ministrados pelo Núncio Apostólico Vincenzo Bicchi (1714), Biblioteca Nacional de Portugal, Res. 2054 v.

Oliveira, Eduardo Freire de, Elementos para a História do Município de Lisboa, 1ª parte, tomo 15, Lisboa, Typographia Universal, 1906.