REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Dissidente/Dissención (ES) | Dissidente/Dissenção (PT)

Author: João Espadeiro Ramos

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/rhf6-j956


Raphael Bluteau apresenta um naipe relativamente completo em torno do termo. Diz o autor que dissidente é o mesmo que “Disconcordar, ser contrário” (Bluteau 1712, v. 3: 251, 2); dissensão o mesmo que “Discordia” (Bluteau 1712, v. 3: 251, 1); e dissentir “ser de cótrario parecer.” (Bluteau 1712, v. 3: 251, 2). Em qualquer dos casos, remete-nos para um significado do termo dissidente e dos termos conexos, parcialmente semelhante àqueles que têm hoje em dia. Morais Silva, no seu trabalho a partir de Bluteau, mantém os significados de dissidente (“discorde, não conforme”), acrescentando-lhe o andar “em controvérsia” (Silva 1789, v. 1: 626, 1), isto é, ao que parece, ter uma divergência pública. O que já é um passo no sentido actual do termo: não só discordar, como afirmar essa discordância, podendo, portanto, significar resistência, embora nem sempre assim seja. E, tanto Bluteau (1712, v. 3: 251, 2), como Morais Silva (1789, v. 1: 626, 1), escolhem ilustrar apenas o desencontro de posições. Fazem-no através do caso das divergências entre os cabidos de Braga e do Porto, podendo estar a referir-se às disputas medievais por territórios e jurisdição entre ambas as dioceses. 

Morais Silva, sobre dissensão, acrescenta que, mais do que uma simples discórdia, o termo expressa um posicionamento divergente sobre uma mesma matéria: “Falta de conformidade nos pareceres” (Silva 1789, v. 1: 626, 1). Ou seja, ainda que o termo se associe a ter uma opinião diversa (significado que conserva hoje), os exemplos encontrados para o retratar, rementem para discórdia, e o significado actual de dissidência, implica que essa mesma diferença leve ao afastamento das partes discordantes. Embora caia fora do âmbito da presente proposta uma análise à génese das palavras, a procura do significado de um dos sinónimos de dissidente ajuda a visualizar o sentido do termo. Bluteau define discorde como “desafinado” (Bluteau 1712, v. 3: 242, 1). Moraes da Silva define discorde como “Malavindo com alguém. Dissonante, desafinado (…) Desconforme, discrepante.” (Silva 1789, v. 1: 626, 2). Isto é, alguém que fazendo parte de um mesmo conjunto, não segue exatamente o alinhamento que estava previsto. 

Procurando nos dicionários disponibilizados pela Real Academia Espanhola, o termo dissidente não aparece e dissención surge nos inícios dos séculos XVII e XVIII, mas em nenhum dos dicionários exclusivos de língua castelhana. Oudin em 1607 define como “dissention, desordre, division, dispute, debat, noise, querele, controuerse” (Oudin 1607: 211, 1) e Stevens, em 1706, como “dissention, variance.” (Stevens 1706: 155, 1). Este último define ainda dissentir como “to dissent, to be of another Opinion.” (Stevens 1706: 155, 1). De qualquer modo, podendo estes surgimentos apontar para uma origem das palavras exterior às línguas ibéricas, e parece aqui necessário referir que Bluteau havia nascido em Inglaterra, não deixam de remeter para o significado de discordância e não de dissidência, como já se mencionou anteriormente. Neste repositório de fontes, esta palavra surge uma última vez em Bluteau.

Procuradas as palavras em arquivos, algumas obras de repositórios e hemerotecas não houve retorno para os séculos XVII e XVIII. A primeira vez que a palavra nos surge é no decreto de 26 de novembro de 1807, assinado no Palácio da Ajuda, sobre a partida da família real portuguesa para o Brasil, onde, nomeadamente, se nomeou o conselho de regência. Nele, D. João IV, justifica as decisões da coroa com a necessidade de “evitar as funestas consequências, que podem seguir de huma defeza, que seria mais nociva, que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, e capaz de acender mais a dissenção de humas Tropas, que tem transitado por este Reino com o annúncio, e promessa de não commetterem a menor hostilidade,” (Observador: 1809, 15).

Depois disto, os termos dissidente e dissensão vão surgindo em textos, por exemplo: de apologia ou ataque a diferentes facções politicas após a consolidação do liberalismo (Almeida: 1838, 10, 12-15, 20); ou, editado no Brasil, de louvor a D. Maria II (Cabral: 1839, 8). Para o caso espanhol, consultada a Hemeroteca da Biblioteca Nacional de Espanha, o termo só começa a surgir na segunda metade do século XIX. É pois, já no século XIX que a partir da discórdia, a diferença de opinião, se cria facção - a dissidência - e pode ou não agir-se a partir dessa dissidência. E isto em contexto militar e político. 

Para resistir não basta ter uma opinião divergente é preciso levar a outro patamar essa diferença. E será por isso que o termo dissidente não surge, pelo menos, até ao século XIX, associado a resistência.


REFERÊNCIAS

Dicionários

Bluteau, Rapael, Vocabulario Portuguez & Latino, aulico, anatomico, architectonico..., Tomo III, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico/?page_number=2057#dic-viewer
https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico/?q=discorde#dic-viewer

Oudin, César, Tesoro de las dos lenguas francesa y española. Thresor des deux langues françoise et espagnolle, Paris, Marc Orry, 1607. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0

Silva, Antonio de Morais, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro, Volume 1, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1789. https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/diccionario-da-lingua-portugueza-recompilado-dos-vocabularios-impressos-ate-agora-e-nesta-segunda-edi%C3%A7%C3%A3o-novamente-emendado-e-muito-acrescentado-por-antonio-de-moraes-silva/?page_number=626#dic-viewer

Stevens, John, A new Spanish and English Dictionary. Collected from the Best Spanish Authors Both Ancient and Modern [...]. To which is added a Copious English and Spanish Dictionary [...], Londres, George Sawbridge, 1706. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.

Fontes primárias
Almeida, José Alexandre de Campos e, Os acontecimentos de Março na capital, considerados nas suas causas, e effeitos : memoria dedicada aos amigos da revolução de Septembro, Lisboa, na Typographia de M. S. M. e Compª., 1838. (Consultado em https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&adoc=68129&img=399 a 15/4/2024).

Cabral, José Marcelino da Rocha, Collecção de alguns artigos escriptos e publicados no Brasil / pelo portuguez José Marcellino da Rocha Cabral, Rio de Janeiro, Typ. da Ass. do Despertador, 1839 (Consultado em https://bndigital.bnportugal.gov.pt/viewer/86229/?offset=2#page=8&viewer=picture&o=search&n=0&q=dissen%C3%A7%C3%A3o, a 15/4/2024).

Observador portuguez, historico, e politico de Lisboa …, Lisboa, na Impressão Régia, 1809 (Consultado a https://purl.pt/33836/1/html/index.html#/16-17, a 15/4/2024).