REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Despojar (ES) | Esbulhar/Despojar (PT)

Author: Mafalda Soares da Cunha

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora



O significado de esbulho é dado por Bluteau a partir da citação do Livro IV, tit. 58 das Ordenações Filipinas: “he tomar alguma cousa per força sem autoridade da justiça” e acrescenta “esbulho da posse, fazia esbulho de quanto achava” (Bluteau 1712-1728: 2374, v. 3). Já  Morais Silva (1789: 732) define esbulhar como desapossar, desapropriar-se e fez o seu uso na lei recuar às Ordenações Afonsinas (liv. IV, tit 65, it 3). Há que assinalar que esbulhar não tem equivalente direto em castelhano, encontrando-se os conteúdos semântico mais aproximandos nas palavras expoliar, despojar e desposeer (Covarrubias 1611, 624, 1) 
Em Portugal, as Ordenações Filipinas defenderam a posse e a propriedade dos bens de todos os que haviam sido forçados ou esbulhados “da posse de alguma casa, ou herdade, ou de outra possessão, não sendo primeiro citado e ouvido com sua justiça, o forçador perca o direito, que tiver na cousa forçada, de que esbulhou o possuidor, o qual direito será adquirido e aplicado ao esbulhado, e lhe seja logo restituído a posse dela” (Livro IV, tit. 58). A acepção de alguma coisa que foi retirada pela força ao seu proprietário surge mencionada por Terreros y Pando como despojar, embora esse dicionarista também a refira como “a accion de despojarse de alguna cosa : en este sentido es mas común en las cosas espirituales (Terreros y Pando 1786: 658-659). O conteúdo semântico que Bluteau atribui também define despojar com esse duplo sentido (Bluteau 1712-1728: 1974, v.3). Daqui se conclui que em português a acepção espiritual de despojar não era sinónimo de esbulhar, mas tinha equivalente na palavra castelhana homógrafa.
A percepção de expropriação ilegal de um bem ou da dignidade de um sujeito foi muitas vezes o ponto de partida para queixas e pleitos por parte de particulares ou de corporações. Este tipo de documentação é muito frequente nos fundos arquivísticos de Portugal e Espanha. Neles os queixosos apresentavam-se às instâncias judiciais como esbulhados ou despojados, ou seja desapropriados dos seus bens de forma considerada ilegal, facto para o qual buscavam reparação na justiça. Neste sentido, constitui uma resistência ao desrespeito pela propriedade privada.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, áulico, anatómico, architectonico […],  Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 8 vols, 2 supl., 1712-1728.

Covarrubias, Sebastián de, Tesoro de la lengua castellana o española, Madrid, Luis Sánchez, 1611.

Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Rio de Janeiro: Tipografia do Instituto Filomático, 1870, Livro IV, Tit. 58.

Terreros y Pando, Esteban de. Diccionario castellano con las voces de ciencias y artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana [...]. Tomo primero (1767). Madrid: Viuda de Ibarra, 1786.

Silva, Antonio de Morais. Bluteau, Rafael. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1. ed. Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, MDCCLXXXIX [1789]. 2v.: v. 1: xxii, 752 p.; v. 2: 541 p.