REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Conjura/Conjuración (ES) | Conjura/Conjuração (PT)

Author: Gibran Bautista y Lugo / Pedro Cardim

Affiliation: IIH – Universidad Nacional Autónoma de México | CHAM – Universidade Nova de Lisboa



A etimologia latina das palavras "conjura" ou "conjuração" remonta aos substantivos conjuratio e conjuratione. Embora estes vocábulos fossem por vezes usados, nos textos da Antiguidade, para designar o combate contra espíritos malignos, foram sobretudo utilizados como sinónimo de conspiração. Denotavam a preparação, em segredo, de um ato de protesto, de oposição ou de resistência. Denotavam, também, uma ação levada a cabo por um conjunto de pessoas unidas por um juramento (con /jurare) ou por um compromisso secreto entre si. Essas pessoas eram chamadas conjurati, conjurados. Um dos exemplos mais conhecidos de uma conjuratio, na Antiguidade, é a intentona que foi levada a cabo em Roma, pelo senador Lúcio Sérgio Catilina, corria o ano de 63 a.C. Marco Túlio Cícero dedicou-lhe a sua famosa obra Catilinárias e, para classificar o que havia ocorrido, utiliza muito mais vezes o termo coniurationem ou coniurationis do que conspiratio (Cicerón, 1973, 1, 4, 8, 23, 48, 65, 76). Quanto a Salústio, também ele classificou a ação de Catilina como uma conjuratione (Salustio, 1991).
Importa notar que, já nessa altura, o vocábulo “conjura” comportava uma conotação pejorativa pois, para muitos, referia-se a um ato que implicava a quebra de uma relação de fidelidade com um determinado senhor. Equivalia, para alguns, a um ato planificado de traição e marcado pela dissimulação. Aliás, no direito romano o termo conjuratio servia para classificar uma ação concertada e em geral rodeada de secretismo que tinha em vista atentar contra a ordem vigente. Tal comportamento era apresentado como uma transgressão e configurava um crime punível com um castigo severo, sobretudo por causa do carácter organizado dessa forma de protesto. Uma coisa é certa: o termo “conjura” era atribuído pelas autoridades que descobriam uma conspiração e que puniam as pessoas nela envolvidas. Os que conspiravam raramente se autodenominavam “conjurados”.

Esta semântica manteve-se ao longo dos períodos medieval e moderno, o mesmo se podendo dizer da conotação negativa do termo “conjura”, por vezes equiparado à traição e, até, ao crime de lesa-majestade. Assim, no seu Tesoro de la lengua castellana, Sebastián de Covarrubias atribuiu o primeiro significado do vocábulo "conjurar" ao ato de “jurar juntamente con otros, y tómase casi sempre em mala parte[...]” (Covarrubias 2020 [1611], 595). 
 A “conjura” fez parte das preocupações políticas e filosóficas da Europa tardo-medieval, tendo sido muito discutida, por exemplo, no contexto da luta das cidades-estado italianas contra o papado e contra o Sacro Império. Reiteradamente denominadas "conjurationes" pelos oficiais imperiais, tais lutas geraram um substrato de pensamento muito rico sobre a legitimidade deste tipo de ação contra a tirania imperial. Assim se compreende que Nicolau Maquiavel apresente a congiura como um facto normal e que fazia parte da paisagem política da Itália do seu tempo (Maquiavelo, Istorie Fiorentine, 2009; Viroli, 1992). Parte do peso negativo da conjura advinha, igualmente, da circunstância de ser uma forma de oposição que se desenvolvia de uma forma secreta, o que associava esse comportamento à dissimulação e à falsidade. Deste ponto de vista, as conspirações foram também entendidas como anteriores à sublevação, "maquinações" ou “cabalas” que podiam ou não alcançar o seu objetivo, mas que tinham a intenção de atingir a autoridade política. Além disso, muitos encaravam a conjura como um comportamento indigno daqueles que faziam parte da elite de um determinado lugar ou de um reino, e que manchava a sua reputação. Porém, verdadeiramente determinante era o facto de a conjura envolver, como vimos, um juramento. Naquela sociedade tão moldada pelo cristianismo, esta forma de comprometimento tinha um enorme peso na cultura política e jurídica, pois o ato de jurar afetava uma pessoa na sua totalidade, na sua idiossincrasia e na sua integridade moral.

No contexto ibérico, o livro de Salústio foi traduzido para espanhol, logo no século XV, como Conjuración de Catilina, tanto por Vasco Ramírez de Guzmán, um arcediago de Toledo, como por Francisco Vidal de Noya, bispo de Cefalù (na Sicília) e preceptor de Fernando o Católico. Muitos tratados jurídicos e políticos dos tempos que se seguiram usaram o termo “conjura” no contexto de discussões sobre conspirações, acordos secretos ou golpes de estado. Em geral, associavam a conjura não propriamente aos grupos populares, mas sim à ação organizada de membros da elite de poder que conspiravam contra o seu senhor ou contra o seu príncipe. Esta associação entre conjura e elites de poder baseava-se na ideia preconcebida de que as pessoas incultas e pobres careciam de recursos intelectuais e materiais para conspirar.
A partir do século XVI, e no quadro da governação das duas monarquias ibéricas, a distância política, geográfica e social desempenhou um papel importante no modo como foram designadas tanto as ações dos grupos de poder, quanto as fações nas quais os conquistadores se dividiam. Os termos “conspiração” e “conjuração” foram, nesses contextos, bastante utilizados. Foi isso o que aconteceu a propósito do movimento de Francisco Hernández Girón, ocorrido em Cuzco em 1553 (Salinero, 2013, 242-266); no quadro da intentona denominada "conjuração de dom Hernando Guzmán", levada a cabo por Lope de Aguirre em 1561, durante a exploração do rio Marañón, e dirigida contra a autoridade de Filipe II (AGI, Justicia, 38, N. 3; Diez Torres, 2011, 201-214); ou, ainda, no âmbito da chamada “conjuração de Martín Cortés”, urdida no México em 1562-63 e dirigida presuntamente contra o vice-rei de Nova Espanha (Salinero, 2013, 301-441). A conspiração calabresa de 1599, pela qual Tomasso Campanella foi acusado e que levou à sua longa prisão no Castel Nuovo, em Nápoles, onde desenvolveu a suas ideias de utopia política na conhecida obra Cidade do Sol (1623), deve também ser situada neste contexto imperial (Benigno, 1999; Delumeau, 2008). Estes casos foram designados como “conjurações” não só nos processos que as autoridades régias moveram contra os acusados, mas também nas crónicas que trataram do assunto.

No período moderno “conjurar” adquiriu um outro significado associado à repressão de resistências culturais das populações. Passou a remeter para o exorcismo feito pelos sacerdotes “conforme al manual y no em outra manera” (Covarrubias 2020 [1611], 595) aos “endemoniados, nubes, tempestades, etc., con las oraciones que tiene la Iglesia para que no hagan daño” (RAE 1729, 516). O que significava invocar o poder da Igreja para submeter o diabo, qualquer que fosse a forma que este assumisse. A invocação do diabo, longe de representar apenas um gesto de adesão ao mal ou ao satanismo no sentido teológico ortodoxo, pode ser interpretada como uma estratégia simbólica de resistência cultural frente a sistemas hegemónicos de poder, particularmente aqueles impostos pelo colonialismo e pela cristianização forçada. Nestes contextos, o diabo deixa de ser apenas um agente do mal teológico e torna-se um símbolo de contestação à ordem imposta, sobretudo àquela que associa o cristianismo à "civilização", ao controlo dos corpos e à repressão dos sistemas de saber e práticas religiosas locais.
A ideia de que a “conjuração” era uma intentona urdida em segredo e uma forma de comportamento revestida de uma legitimidade duvidosa também marcou presença em Portugal. Tal sucedeu no contexto da revolta de 1640 contra a Monarquia Hispânica. No tratado intitulado Apologético contra el tirano y rebelde Verganza, y coniurados, Arzobispo de Lisboa, y sus parciales: en respuesta a los doze fundamentos del Padre Mascareñas (Saragoça, Diego Dormer, 1642), o publicista e fiscal da inquisição Juan Adam de la Parra lançou um violento ataque a João IV e aos que o apoiavam. Ao longo deste tratado Adam de la Parra usou a palavra “conjura” com uma forte conotação negativa, fazendo-a equivaler a um dos crimes mais graves, por implicar a quebra do juramento de fidelidade prestado a Filipe IV de Espanha. Adam de la Parra também associou o termo “conjura” à rebeldia e à tirania, formas ilegítimas de tomar o poder e de o exercer (Gil Pujol, 2006, 351-392). Porém, nem todos os que escreveram sobre a revolta portuguesa de 1640 usaram o termo “conjura” com uma conotação negativa. Foi esse o caso de René Aubert de Vertot, também conhecido como abade de Vertot, autor da obra Histoire de la conjuration de Portugal (1689). O livro teve um acolhimento de tal modo positivo em França que, em 1711, Vertot deu à estampa uma versão ampliada desta sua obra, a Histoire des Révolutions de Portugal, título no qual o termo “conjuration” foi substituído por “révolutions”. A primeira tradução para português da obra de Vertot só surgiu em 1815.

Como dissemos, era voz corrente que a conjura constituía uma forma de oposição mais frequente entre as elites do que entre as camadas populares. Para além do exemplo da revolta portuguesa de 1640, a que acabámos de aludir, refira-se as conjuras de sentido oposto para a Monarquia Hispânica do ano de 1547, a organizada pelos Fieschi contra Andrea Doria aliado do emperador, descoberta no janeiro; e a conjura de Piacenza contra o duque Pier Luigi Farnese, filho do papa Paulo III, instigada por o próprio emperador Carlos V, em setembro (AGS, Estado, Leg. 1379, 14-18. Valeri, 2024, 367-380); a conjuração de Palermo, na Sicília, em 1697 (AHN, Inquisición, 1746, 17); a conjura de Nápoles, em 1700 (AGS, SSP, L. 354); ou, ainda, a chamada “conjura das províncias de Cumaná”, na governação da Venezuela (1749-1751). Todas estas intentonas foram urdidas por membros dos grupos de poder. Muitos defendiam que a conjura implicava concertação de posições, disciplina, planeamento e secretismo, algo que, de uma forma preconceituosa, se considerava incompatível com a alegadamente sempre tumultuosa forma de atuar dos populares. 
A conotação negativa do termo manteve-se no século XVIII, como o comprova a “Relação das pessoas, que foram punidas pela infame conjuração contra a vida de S. Majestade”, datada em Lisboa a 13 de janeiro de 1769. Trata-se da lista dos dignitários que foram executados, de um modo especialmente violento, como punição por terem supostamente conjurado contra a vida do rei D. José I de Portugal. Como se sabe, todos os que foram executados eram membros de algumas das principais famílias da nobreza, o que confirma a associação entre esta forma de oposição política e a pertença aos escalões mais elevados da sociedade. Um outro caso de conspiração levada a cabo por membros das elites de poder, mas desta feita num contexto colonial, foi a “Conjuração dos Pintos” (1787) tentativa de rutura com as autoridades portuguesas em Goa, no Estado da Índia (Xavier 2021, 301-306). O mesmo se poderia dizer da “Conjuração Fluminense”, urdida em 1794 por membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, a qual também visava romper com o domínio português.

Porém, e de algum modo contrariando o preconceito atrás referido, vários movimentos levados a cabo por pessoas dos escalões populares também foram classificados como “conjuras”. Foi esse o caso da intentona que ficou conhecida como a “Conjuración de los negros de 1612”, no México (Martínez, 2004, 479-520). No relato que nos deixou deste acontecimento, Domingo Chimalpáhin descreveu o pânico dos moradores e das autoridades espanholas, pânico esse que levou ao enforcamento de trinta e cinco escravos negros, vinte e oito homens e sete mulheres, na praça principal da capital da Nova Espanha (Chimalpáhin, 2001, 285-299). Refira-se, ainda, o movimento dos tecelões e das retorcedoras de seda em Barcelona em 1668, igualmente descrito pelas autoridades reais como uma "conjuração" (ACA, Consejo de Aragón, L.772, n. 1), ou a conspiração descrita por Ramírez Gabriel na sua Relacion historica de la conjura de los esclavos turcos de Malta, descubierta el dia 6 de junio del presente año de 1749 y de todos los hechos posteriores hasta el dia 25 de julio (1749). Dois outros exemplos referentes à América espanhola: a "conjuração" dos índios Tarahumara em 1773, mandada castigar pelo vice-rei da Nova Espanha, Antonio María Bucareli (AGI, Guadalajara, 513, N. 18); e a "conjuração" dos escravos negros no bairro de Punta Cortada, em Cuba, em 1791, possivelmente inventada pelos senhores do açúcar para controlar os escravos; em qualquer caso, punida com uma série de enforcamentos (AGS, SGU, L. 6929, 8.). No Brasil dos séculos XVI a XVIII foram vários os momentos em que se disse que os escravizados estavam “conjurados contra o seu senhor”, ou seja, estavam a preparar uma ação de protesto ou, até, uma rebelião. Por último, referência para a denominada “Conjuração Baiana”, também conhecida como "Revolta dos Alfaiates" (Valim, 2018, 116-139). Como se sabe, essa conjuração ocorreu em 1798-1799 na Capitania da Bahia e foi protagonizada por pessoas com ocupações “mecânicas”, como alfaiates, sapateiros ou bordadores e, ainda, por ex-escravos e escravizados.


Referências 

Dicionários
Covarrubias Horozco, Sebastián de Tesoro de la lengua castellana o española [1611], edición integral e ilustrada de Ignacio Arellano y Rafael Zafra, Madrid, Iberoamericana/Vervuert/Real Academia Española, 2020.

Real Academia Española. Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...]. Compuesto por la Real Academia Española. Tomo segundo. Que contiene la letra C. Madrid : Imprenta de Francisco del Hierro, 1729.

Fontes
“Carta cifrada de Gómez Suárez de Figueroa, embajador en Génova, a Carlos V, emperador del Sacro Imperio Romano” 8 setembro 1547, Archivo General de Simancas (AGS), Estado, Leg. 1379, 14-18. 

“El fiscal con Juan de Valladares, piloto y vecino de Sevilla, sobre ser cómplice en la conjuración de Hernando de Guzmán y haber ido desde Portugal sin licencia”, 1564-1569, Archivo General de Indias (AGI), Justicia, 38, N. 3.

“De la conjuración de tejedores y torcedores de seda. Ajusticiamiento y prisión de algunos promotores”, 1668, Archivo de la Corona de Aragón, Consejo de Aragón, L.772, n. 1.

“Proceso criminal de las personas que tomaron parte en la conjuración de Palermo en el año 1697”, Archivo Histórico Nacional (Madrid), Inquisición, 1746, 17. 

“Expediente sobre la situación de las provincias de Nueva Vizcaya, Sonora, Nuevo México, Texas y las informaciones recibidas del comandante inspector Hugo O'Conor; sobre las disposiciones dadas para contener la conjuración secreta de los tarahumaras con los apaches” 26 de abril 1776, AGI, Guadalajara, 513, N. 18.

“Conjuración de los negros de Punta Cortada”, 1795, AGS, SGU, L. 6929, 8.

Cicerón, Marco Tulio, Catilinarias, México, UNAM, 1973, 1, 4, 8, 23, 48, 65, 76.

Chimalpáhin, Domingo, Diario, paleografía y traducción Rafael Tena, México, Conaculta, 2001. 

Maquiavelo, Nicolás, Istorie Fiorentine [1520-25], 2009.

Parra, Adam de la, Apologético contra el tirano y rebelde Verganza, y coniurados, Arzobispo de Lisboa, y sus parciales: en respuesta a los doze fundamentos del Padre Mascareñas, Saragoça, 1642.

Ramírez, Gabriel, Relacion historica de la conjura de los esclavos turcos de Malta, descubierta el dia 6 de junio del presente año de 1749 y de todos los hechos posteriores hasta el dia 25 de julio, 1749.

Salustio, Conjuración de Catilina, México, UNAM, 1991.

Vertot, René Aubert , Histoire de la conjuration de Portugal, 1689.

____, Histoire des Révolutions de Portugal, 1711.

Bibliografia
Benigno, Francesco, Specchi della rivoluzione. Conflitto e identità politica nell'Europa moderna, Roma, Donzelli 1999.

Delumeau, Jean, Le Mystère Campanella, Paris, Fayard, 2008.

Diez Torres, Julián, «Los Marañones Y La polémica de la Conquista: retórica e ideas Políticas En La Carta De Lope De Aguirre A Felipe II». Alpha (Osorno), 33, 2001, 201- 214.

Gil Pujol, Xavier, «Más sobre las revueltas y revoluciones del siglo XVII y sobre su ausencia» in Geoffrey Parker (coord.), La Crisis de la Monarquía de Felipe IV, Barcelona, Crítica, 2006, pp. 351-392.
 
Martínez, María Elena, «The Black Blood of New Spain: Limpieza de Sangre, Racial Violence, and Gendered Power in Early Colonial Mexico», The William and Mary Quarterly, Third Series, Vol. 61, No. 3 (Jul. 2004), pp. 479-520.

Salinero, Gregoire, La trahison de Cortés. Désobéissances, procès politiques et gouvernement des Indes de Castille, seconde moitié du XVIe siècle Paris, Presses Universitaires de France, 2013.

Valeri, Elena, «El viraje de 1547 en la interpretación de los historiadores italianos de la época», Cuadernos de Historia Moderna, 49 (2), 2024, 367-380.

Valim, Patrícia, "O Tribunal da Relação da Bahia no final do século XVIII: politização da justiça e cultura jurídica na Conjuração Baiana de 1798." Tempo 24.1 (2018), 116-139.

Viroli, Maurizio, From Politics to reason of State. The acquisition and transformation of the language of politics, 1250-1600, Cambridge, Cambridge University Press, 1992.

Xavier, Ângela Barreto, «Uma revolta à “americana”: a conspiração dos Pintos de 1787 (Goa)» in Mafalda Soares da Cunha (coord.), Resistências. Insubmissão e Revolta no Império Português, Alfragide: Casa das Letras, 2021, 201-306.