REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Clamor/Clamores (ES) | Clamor/Clamores (PT)

Author: Ângela Barreto Xavier

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa

https://doi.org/10.60469/95gy-3c10


No Vocabulista arávigo en letra castellana, de frei Pedro de Alcalá (1505), o clamor é definido como uma “grande boz”, ideia que se repete em dicionários posteriores, às quais se acrescentam, por exemplo, a ideia de “grito”, “alarido” (Alcalá, 1505: 100; Palet, 1604: 79, 2; Vittori, 1609: 141, 2). Mas já em 1611, no Tesouro da la lengua castellana y española de Covarrubias, “clamor” surge associado a “voz lamentable”, e mais importante, o verbo “clamar”, ao pedido “de favor y ayuda”, e até mesmo, “dar socorro”. Covarrubias refere ainda o verbo “clamorear”, posteriormente derivado em “clamar”, explicitando que este se utiliza em situações de repetição insistente de queixas e clamores, para conseguir alcançar um determinado objectivo, “como un socorro, una limosna” (Covarrubias, 1611: 428, 2).  Este campo semântico é claramente alargado no Diccionario de la lengua castellana da Real Academia Española. Neste, para além de ser uma palavra polissémica, sempre associada a ruído, clamor também surge relacionada a “queja y sentimiento común y general: como succede en alguna calamidad pública de epidemia, hambre, peste ò mortandade” (RAE, 1729, II: 365, 1, 2). Significados semelhantes podem encontrar-se na dicionarística portuguesa.

A palavra clamor não aparece no Dictionarium ex lusitanico in latinum sermonem, de Jerónimo Cardoso (1562-1563), mas surge uma breve referência à mesma no Index Totius Artis (c. 1599) de António Velez, numa das definições da palavra latina “ingruo, is”: “accometter de tropel, assaltar com impeto, e clamor”. Em 1697, na sétima edição da Prosodia de Bento Pereira, clamor é definido como “gritaria”, “alarido”, na mesma altura que o Pe. António Vieira associa clamor à injustiça - “clamor de justiça, os indignos levantados” – um enunciado que viria a ser incluído no Vocabulário portuguez & latino de Rafael Bluteau, uns anos mais tarde, e, no final do século, no Diccionario de António da Silva Morais. Todavia, o primeiro significado de clamor atribuído por Bluteau no Vocabulario é “grito grande”. Já no seu Vocabulario de Synonimos, outras palavras são associadas a clamor, tais como “bramido”, “alarido”, reboliço” (Velez, c. 1599; Pereira, 1697; Bluteau, 1712-1713, vol. 2, p. 335; Bluteau, 1728, pp. 89, 196, 422; Silva, 1789, I, p. 402).

Estes sentidos fixados pelos vocabulários e dicionários peninsulares plasmam-se noutros textos em usos diversificados, entre o louvor e o lamento: os clamores dirigidos a Deus, a Maria ou a santos, por exemplo, para se alcançar alguma graça. Mas também se verifica, com alguma frequência, o uso do vocábulo em contextos políticos, nomeadamente os clamores dirigidos ao rei, no contexto das cortes portuguesas, quer pelo estado eclesiástico, quer pelos povos, por causa de situações variadas, quer ainda nos clamores dirigidos pelos cabildos da América espanhola nas cortes espanholas e na Junta de Cádis, por ocasião das invasões napoleónicas e das independências americanas. Para além da sua presença em muita documentação manuscrita de carácter político, essa dimensão política surge expressa, também, numa série de publicações impressas, caso de textos como o Patrocínio empenhado pelo clamor de um preso; os Clamores, lágrimas, y suspiros de Madrid al Rey Nuestro Señor Don Phelipe Quinto; os Clamores del pueblo español, o sea Declaración de la causa original y permanente de las desgracias en la presente guerra; ou  Os brados, e clamores dos povos, lavradores (Cunha, 1706; Clamores, 1710; Clamores,  1811; Os brados, 1823). O primeiro destes textos - uma defesa, em verso, de Martinho Fernandes Neyva, um militar que tinha sido preso e condenado ao desterro -, expressa a resistência a uma sentença considerada injusta, tanto pelo autor, como por outros militares que sancionam as suas oitavas com outros versos de louvor às mesmas. Mas clamor viria a ser utilizado, também, noutros contextos políticos, como o do abolicionismo. Um bom exemplo é a tradução para espanhol, em 1823, da da obra do abolicionista inglês Thomas Clarckson, An essay on the slavery and commerce of the human species, particularly the African, translated from a Latin Dissertation (1787). O título da versão espanhola - Clamores de los africanos, contra los europeos, sus opresores, ó Examen del detestable comercio llamado de negros (1823) - é bem mais expressivo, denotando o valor desta palavra no vocabulário político.

Apesar de ser um vocábulo frequentemente utilizado pelos agentes históricos para exprimir a sua resistência a situações muito diversas no período compreendido entre os séculos XVI e XIX, nem sempre a historiografia tem reconhecido neste termo um lugar de análise relevante para pesquisar manifestações de resistência e revolta nos mundos ibérico.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Alcalá, Fray Pedro de, Vocabulista arávigo en letra castellana. En Arte para ligeramente saber la lengua aráviga, Granada, Juan Varela, 1505. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Bluteau, Rafael, Vocabulario de synonimos, e phrases portuguezasSupplemento ao Vocabulário Portuguez e Latino, II, Lisboa, Patriarcal Officina de Musica, 1728, http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/default.asp?url=Ler&Serie=27

Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, áulico, anatómico, architectonico […], vol. 2, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu 1712-1713, http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/clamor

Covarrubias, Sebastian de, Tesoro de la lengua castellana o española,  Madrid, Luis Sánchez, 1611. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Palet, Juan, Diccionario muy copioso de la lengua española y francesa [...]. Dictionaire tres ample de la langue espagnole et françoise, París, Matthieu Guillemot, 1604. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Pereira, Bento,  Prosodia in vocabularium bilingue, Latinum, et Lusitanum digesta [...], acrescentada por Matias de S. Germano, Évora, Typographia Academiae, 1697. http://purl.pt/30226; http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/default.asp?url=Ler&Serie=732.

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...], tomo 2. Madrid, Imprenta de Francisco del Hierro, 1729. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Silva, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, vol. 1, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1789. http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/2/clamor.

Vittori, Girolamo, Tesoro de las tres lenguas francesa, italiana y española. Thresor des trois langues françoise, italienne et espagnolle, Ginebra, Philippe Albert & Alexandre Pernet, 1609. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Fontes
Clamores del pueblo español, o sea Declaración de la causa original y permanente de las desgracias en la presente guerra; la qual quitada hay fundada esperanza de la victoria, y subsistiendo debe temerse el accecentamiento de los males, y tal vez una ruina total y muy pronta, s.l., Imprenta de Carreño, 1811.

Clamores, ingrimas, y suspiros de Madrid al Rey Nuestro Señor Don Phelipe Quinto, sl., s.n., 1710.

Clarckson, Thomas, Clamores de los africanos, contra los europeos, sus opresores, ó Examen del detestable comercio llamado de negros, s.l., s.n., 1823.Cunha, Félix Azevedo da, Patrocínio empenhado pelo clamor de um preso: Assumpto pio dirigido ao Senhor Luis Cezar de Meneses, Governador & Capitão General do Estado do Brasil, Lisboa, Off. de Valentim da Costa Deslandes, 1706; http://purl.pt/21913.

Os brados, e clamores dos povos, lavradores, Lisboa, Typ. João Batista Norando, 1823.