REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Chusma (ES) | Ralé (PT)

Author: Gustavo Velloso

Affiliation: Universidade Federal da Bahia



Nos dicionários portugueses dos séculos XVII, XVIII e XIX, a palavra “ralé” (ou “relé”) designa uma condição ou qualidade social indeterminada que poderia ou não explicitar algum juízo de valor. Embora Bento Pereira (1697) tenha, em fins do século XVII, atribuído ao vocábulo o sentido de coisa vulgar, popular, apenas três décadas depois, Bluteau preferiu defini-lo de modo um tanto mais genérico como “casta, companhia, laia” (Bluteau 1728, v. 7, p. 218); por outro lado, o mesmo autor associou o termo igualmente aos pássaros menores que são objetos da predação de outras espécies (Bluteau 1728, v. 7, p. 100). Essa definição ambivalente de Bluteau foi acompanhada, nos anos posteriores, sem alterações significativas, por Silva (1789, v. 2, p. 548) e Pinto (1832, p. 885). Silva apresenta-nos, não obstante, uma concordância que deixa dúvidas sobre a aparente neutralidade do conceito: “As moças da câmara que são gente da nossa ralé, das que namoramos, da nossa ordem”.

Nos dicionários espanhóis do século XVI, em contrapartida, “chusma” assume com maior frequência o significado de multidão (conferir, por exemplo: Casas, 1570, p. 54; e Percival, 1591, p. 58). No século XVII, especialmente nos contextos bélicos ibero-americanos, utilizou-se ainda o mesmo vocábulo para referenciar a gente comum de uma dada formação social, isto é, todos aqueles personagens que não fossem homens adultos capazes de participar dos enfrentamentos: “En las malocas y entradas que nuestras armas han hecho a tierras del enemigo se han cogido cantidad de indios mugeres muchachos y chusma desta calidad” (AGI, Gobierno, Audiencia de Chile, leg. 125, s/n.). Porém, à medida que avançaram os séculos XVIII e XIX, o termo passou a revestir-se progressivamente das características da baixeza social e da imoralidade (o que no português se classificaria como “gentalha” ou “canalha”). Terreros y Pando (1786, p. 425) e Salvá (1846, p. 341), inclusive, reconhecem mais concretamente na categoria os escravos que eram utilizados em galeras (embarcações espanholas).
Tanto em português quanto em espanhol, os conceitos de “ralé” e “chusma” são convencionalmente empregados por membros dos setores sociais favorecidos e/ou dominantes de cada período em seus discursos para desqualificar, menosprezar e, no limite, desumanizar ideologicamente os sujeitos sociais (individuais ou coletivos), pertencentes às classes populares, exploradas e subalternas.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael. Vocabulario portuguez, e latino [...], Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 8 vols., 1712-1728.

Casas, Cristóbal de las, Vocabulario de las dos lenguas toscana y castellana, Sevilla, Francisco de Aguilar y Alonso Escribano, 1570.

Percival, Richard, Bibliothecae Hispanicae pars altera.Containing a Dictionarie in Spanish, English and Latine, Londres, John Jackson y Richard Watkins, 1591.

Pereira, Bento. Prosodia in vocabularium bilingue, Évora, Tipographia Academiae, 1723 [1697].

Pinto, Luís Maria da Silva, Diccionario da lingua brasileira, Ouro Preto, Typographia de Silva, 1832.

Salvá, Vicente, Nuevo diccionario de la lengua castellana, que comprende la última edición íntegra, muy rectificada y mejorada del publicado por la Academia Española, y unas veinte y seis mil voces, acepciones, frases y locuciones, entre ellas muchas americanas [...], París, Vicente Salvá, 1846.

Silva, Antonio de Morais; Bluteau, Rafael, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 2 vols., 1789.

Terreros y Pando, Esteban de, Diccionario castellano con las voces de ciencias y artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana [...], Madrid, Viuda de Ibarra, tomo 1 (1767), 1786.

Fontes
Archivo General de Indias (AGI), Gobierno, Audiencia de Chile, leg. 125, s/n.

Bibliografia
Souza, Jessé, A ralé brasileira: quem é e como vive, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2022.

Rudé, George, La multitud en la Historia, Madrid, Siglo XXI, 1971.

Villari, Rosario, Rebeldes y reformadores del siglo XVI al XVIII, Barcelona, Ediciones del Serbal, 1981.