REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Bárbaro (ES) | Bárbaro (PT)

Author: Gustavo Velloso

Affiliation: Universidade Federal da Bahia



Bárbaro possui a mesma grafia em português e em espanhol. Nos dicionários de língua castelhana, a palavra começa a ocupar espaço de relevo somente no século XVII. Em Girolamo Vittori o termo equivale a estrangeiro e se relaciona com as atribuições de crueldade e desumanidade (Vittori 1609: 92). Em Covarrubias, Bárbaro é associado uma espécie de rudeza nos seus modos de falar, conectando essa característica com outras tantas ‘faltas’ (de razão, bons costumes, piedade etc.): “los que son ignorantes, y sin letras, a los de malas costumbres y mal morigerados, a los esquivos que no admiten la comunicación de los demás hombres de razón, que viven sin ella, llevados de sus apetitos, y finalmente los que son desapiadados, y crueles” (Covarrubias 1611: 242). Essa dupla definição continua sendo utilizada nos séculos XVIII e XIX, por exemplo em Terreros y Pando (1786: 15) e em Gaspar y Roig (1853, I: 322).

Nos dicionários lusitanos, o emprego sistemático do vocábulo “bárbaro” é ainda mais tardio, datando do século XVII. Rafael Bluteau destaca o seu uso em toda a tradição latina, da Grécia Antiga ao Portugal de sua época, como designação genérica de povos estrangeiros, falantes de idiomas não latinos. E relaciona, ao mesmo tempo, o vocábulo com a característica da crueldade (Bluteau 1712, II: 46). Na segunda metade do século XVIII, contudo, ao contrário do que ocorre no caso espanhol, a palavra bárbaro vai perdendo sua associação imediata com a capacidade de se cometer atos de violência desmedida, na lógica do Antigo Regime, para se relacionar cada vez mais com a perspectiva civilizacional do Ocidente moderno, que atribui hierarquias de valor a diferentes hábitos ou modos de vida considerados fixos e essenciais. Nesse sentido, em Morais Silva, bárbaro significa “homem rude, sem polícia, nem civilidade, oposto ao civilizado” (Silva I, 1789: 263). As duas acepções aparecem condensadas em Luís Maria da Silva Pinto, já entrado o século XIX, para quem o bárbaro seria aquele que “não tem civilidade, que não é civilizado; cruel, desumano” (Pinto 1832: 135).

Durante os dois primeiros séculos de presença colonial ibérica no globo, a palavra bárbaro foi utilizada pelos diferentes sujeitos identificados com cristianismo e o mundo de matriz europeia de modo geral (administradores, colonos, funcionários régios, burocratas e missionários) como marcador ideológico da diferença em relação às populações originárias dos continentes africano, asiático e americano. A condição de bárbaro costumava ser empregada nesse tempo associada às noções de paganismo, gentilidade, nomadismo, nudez, insubordinação, canibalismo, desumanidade, desordem e selvageria. Tais comportamentos foram também profusamente imputados a todos os grupos indígenas que resistiram ao avanço dos portugueses no nordeste do Brasil durante toda a segunda metade de seiscentos. O longo conflito viria a ser denominado A Guerra dos Bárbaros.
Via de regra, entretanto, tratava-se de uma condição social fundamentalmente transitória, passível de ser corrigida pela conquista, pelo trabalho coagido e pela catequese: “maravillas son señor estas que nos dan a entender o que quiere Dios venganza de sus injurias o que con el riego de su preciosa sangre quiere fertilizar lo inculto de esta tierra para que estos bárbaros se rindan a su fe” (AGI, Gobierno, Audiencia de Lima, leg. 25, s/n., f. 2r).

Nas últimas décadas, tanto a historiografia quanto a antropologia e os estudos linguísticos têm chamado atenção para a polissemia e a historicidade do conceito de bárbaro, recusando absorvê-lo e/ou reproduzi-lo de modo acrítico em suas análises e narrativas, transformando-o, assim, em objeto de problematização, crítica e investigações.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico, brasilico, com... / pelo Padre D. Raphael Bluteau, Lisboa, Na Officina de Pascoal da Sylva, 1712-1728. https://purl.pt/13969

Covarrubias, Sebastián de, Tesoro de la lengua castellana o española, Madrid, Luis Sánchez, 1611. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.1.0.0.0

Gaspar y Roig, Diccionario enciclopédico de la lengua española, con todas las vozes, frases, refranes y locuciones usadas en España y las Américas Españolas [...], Madrid, Imprenta y Librería de Gaspar y Roig Editores, tomo I, 1853. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.1.0.0.0

Pinto, Luís Maria da Silva, Diccionario da lingua brasileira, Ouro Preto, Typographia de Silva, 1832. https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/diccionario-da-lingua-brasileira/?page_number=135#dic-viewer

Silva, Antonio de Morais; Bluteau, Rafael, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro, 2 vols., Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1789. https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/diccionario-da-lingua-portugueza-recompilado-dos-vocabularios-impressos-ate-agora-e-nesta-segunda-edi%C3%A7%C3%A3o-novamente-emendado-e-muito-acrescentado-por-antonio-de-moraes-silva/?page_number=263#dic-viewer

Terreros y Pando, Esteban de, Diccionario castellano con las voces de ciencias y artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana [...], Madrid, Viuda de Ibarra, tomo 1 (1767), 1786. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.1.0.0.0

Vittori, Girolamo, Tesoro de las tres lenguas francesa, italiana y española, Ginebra, Philippe Albert & Alexandre Pernet, 1609. https://archive.org/details/tesorodelastresl00vittuoft/page/n7/mode/2up

Fontes manuscritas
Archivo General de Indias, Gobierno, Audiencia de Lima, leg. 25, s/n.

Bibliografia
Puntoni, Pedro, A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720, São Paulo, Hucitec, 2002. 

Raminelli, Ronald, Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira, Rio de Janeiro, Zahar, 1996.

Weber, David J., Bárbaros: Spanish and their savages in the Age of Enlightenment, New Haven and London, Yale University Press, 2005. 

Zeron, Carlos, Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII), São Paulo, Edusp, 2011.