REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Amuleto (ES) | Amuleto (PT)

Author: Luisa Stella de Oliveira Coutinho Silva

Affiliation: Max Planck Institute for Legal History and Legal Theory

https://doi.org/10.60469/2kmg-e695


Na primeira metade do século XVIII, os dicionários espanhóis já tratavam da definição da palavra amuleto, que foi repetidamente decifrado nos séculos seguintes nos dicionários confeccionados em língua espanhola. No Diccionario de la lengua castellana, da Real Academia Espanhola, amuleto foi definido em 1726 como um “Remédio supersticioso para curar, ò preservar de alguna enfermedád” (RAE 1726: 278). A referência usada pelo próprio dicionário remete às Obras, de Anastacio Pantaleon de Ribera, o poeta barroco do século XVII. Na segunda impressão corrigida e aumentada dessa obra (RAE 1770: 232), amuleto passou a referir apenas à preservação de enfermidades e perigos: “Remedio supersticioso para preservar de alguna enfermedad ó peligro” (e não mais à cura, embora a menção à cura e preservação de males em caracteres ou palavras tenha se mantido no Diccionario castellano de Terreros y Pando (1786)), tendo sido definido materialmente como medalhas, figuras e caracteres ordinários. Esta última definição prevaleceu, sem mais referências a Pantaleon de Ribeira, nas edições de 1780, 1783, 1791, 1803 e 1817.

A partir da edição de 1822 do Diccionario de la lengua castellana (RAE 1822), amuleto foi reduzido apenas à definição de suas propriedades e não mais quanto à sua materialidade: um remédio supersticioso que servia para preservar de enfermidades e perigos. Esta versão foi mantida nas edições de 1825, 1832, 1837, 1843 e 1852. Também foi assim utilizado no Nuevo dicionário de Vicente Salvá de 1846. Na metade do século XIX, a definição é ampliada no Dicionário enciclopédico Biblioteca Ilustrada de Gaspar y Roig. Materialmente, amuleto passou a ser definido como uma medalha, inscrição, figura ou qualquer outro objeto que fosse levado ao pescoço ou na roupa com uma intenção supersticiosa de acreditar poderes supersticiosos para preservar enfermidades, conjurar malefícios, magos e encantadores. Esta versão foi mantida no mesmo ano por Ramón Domínguez no Diccionario Nacional, tendo apenas a diferença da menção às bruxas no lugar de magos e encantadores e adicionado o afastamento de todo o tipo de calamidade (versões mantidas em 1853). 

Nas versões do Diccionario da Real Academia Española da metade do século XIX, de 1869 e 1884, a definição de amuleto voltou a acrescentar também a materialidade do amuleto – figura, medalha ou qualquer outro objeto portátil – e acrescentou a designação de virtude sobrenatural atribuída para afastar danos e perigos. Essa versão foi mantida no Diccionario enciclopédico de Elías Zerolo e em versões posteriores, como a de 1869 e 1884. Nas versões seguintes do Diccionario da Real Academia Española de 1832, 1837, 1843, 1846, 1852, amuleto volta a ser reduzido apenas a remédio supersticioso para preservar de enfermidades e perigos; e nas versões de 1814 e 1899 remete à figura, medalha ou qualquer outro objeto. Finalmente, em 1992, o amuleto, de origem latina Amuletum, foi definido no Diccionario da Real Academia Española como objeto pequeno que se pode transportar e ao qual se atribui a virtude de afastar o mal ou propiciar o bem.

Na história do direito indiano, entre os autores que publicaram sobre a colonização do Império espanhol, Juan de Solórzano Pereira no seu De Indiarum Iure refere ao uso de amuletos entre os povos indígenas do Peru. Segundo ele, o uso de amuletos em forma de um fornicador estava associado a prática da sodomia nos povos indígenas do Peru, porque eram devotos do deus da sodomia. 

Em língua portuguesa, é ainda no final do século XVII que as definições para amuleto aparecem nos dicionários. Na Prosodia de Bento Pereira, amuleto é definido como um remédio contra todo o mal, em particular os feitiços. Já Feijó, na sua Orthografia, traz instruções mais específicas em como identificar um amuleto. Segundo ele, o amuleto é um medicamento que se traz pendurado no pescoço e é usado contra malefícios. Bluteau, no seu Vocabulario (Bluteau 1720), tenta investigar a origem da palavra. Caso a palavra tenha vindo do grego, pode ser que remetida a Amma, que significa liame, ou atadura, já que viriam todos atados ao corpo humano, ou ao verbo Amynein, que referia a ajudar ou expelir. Também é possível que a palavra tenha sua origem no latim amoliri ou amulla, porque da emulação procedem os quebrantos contra os quais os amuletos são feitos. Bluteau dá exemplos: para prevenir dores de dente, podia-se trazer um dente de cão macho arrancado enquanto o animal ainda estava vivo e em seguida furado e carregado ao pescoço de forma a tocar na carne; para acabar com as dores de dente, recomenda-se o queixo de um ouriço cacheiro trazido ao pescoço; as bisnagas trazidas nas algibeiras durante seis meses secavam e desinchavam as almorreinas. Finalmente, no seu Diccionario, amuleto foi definido como uma figura ou caractere trazido carregado e que possui grandes virtudes segundo a superstição. Esta definição foi mantida no início do século XIX no Diccionario de Moraes e Silva e, décadas depois, o frei Domingos Vieira formulou uma nova definição. Segundo o seu Diccionário Portugues (Silva 1789), amuleto deriva do latim amuletum, ou do árabe hamail, que significa preservativo. Era um objeto carregado no pescoço ou costurado à roupa na tentativa de prevenir doenças, curá-las, destruir malefícios e desviar calamidades. Segundo ele, o uso desses objetos entre os portugueses se deve por influência da convivência com os árabes.

Nos livros de Medicina dos séculos XVIII também há menções aos amuletos utilizados nos processos de cura. Na sua Polyanthea Medicinal, João Curvo Semedo (Semedo 1716) indicava o uso de um amuleto para curar vágados rebeldes, ou gota-coral, principalmente aqueles mais difíceis de serem controlados. O amuleto consistia em trazer amarrado ao braço esquerdo duas ou três pedras que podiam ser encontradas nos estômagos de algumas andorinhas (Semedo, 1716: 58). Ademais, também recomendava o uso da raiz do verbasco colhida entre a lua minguante do fim de agosto até o dia 8 de setembro levada ao pescoço contra catarros sufocativos (Semedo, 1716: 535).

Noutras obras sobre cura, autores desfaziam-se dos poderes supersticiosos dos objetos. No Anacephaleosis de Bernardo Pereyra (Pereyra 1734), os amuletos podiam ser utilizados para curar e somente deviam ser utilizados aqueles aplicados por pessoas que utilizassem amuletos segundo o que ensinava a Igreja e que fossem aprovados pelo Ordinário.

Na Academia portuguesa, os amuletos foram estudados no início do fim do século XIX pelo etnólogo e arqueólogo Leite Vasconcelos (1892). Ele estudou os usos dos amuletos em vários períodos históricos portugueses. Segundo ele, os amuletos são distintos dos talismãs e dos fetiches. Para ser considerado um amuleto, o objeto deve ser inconsciente e impessoal, com propriedades excepcionais para prevenir o mal, adquirido ou natural; deve ser pequeno e portátil e, finalmente, pode ser natural ou artificial (Vasconcelos 1892).

A historiografia brasileira refere aos amuletos utilizados no Brasil colonial conhecidos como bolsas de mandinga e que foram perseguidos e procurados pela Inquisição portuguesa. Esta historiografia demonstra o uso dos amuletos como resistência cultural desde que estas bolsas de proteção eram conhecidas por “fecharem o corpo” especialmente contra ataques e ferimentos de facas e tiros. Ronaldo Vainfas (2001), Laura de Mello e Souza (1986) e Daniela Calainho (2008) definem as bolsas como amuletos ou talismãs indistintamente. Também referem às práticas indígenas, católicas populares mágicas e aquelas trazidas pelos africanos escravizados, mais precisamente dos povos mandingas que costumavam trazer amuletos na forma de pacotes pendurados no pescoço com versos do Alcorão e signos de Salomão.


REFERÊNCIAS

Dicionários
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Fontes
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Pereira, Solorzano I.V.D. Ex Primarijs olim Academiæ Salamanticensis Antecessoribus. Postea Limensis Prætorij in Peruano Regno Novi Orbis Senator: Nunc vero in Supremo Indiarum Consilio Regij Fisci Patronus, Dispvtationem De Indiarvm Ivre, Sive De iusta Indiarum Occidentalium inquisitione, aquisitione, et retentione Tribvs libris comprehensam, D. E. C. Cvm privilegio. Matriti. Ex Typographia Francisci Martinez. Anno 1629. Roberto Cordier ex.

Semmedo, João Curvo, Polyanthea medicinal. Noticias galenicas, e chymicas, repartidas en tres tratados, Lisboa, Na Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1716.

Bibliografia
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Vainfas, Ronaldo, Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808), Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.

Vasconcelos, Leite, Sur les amulettes portugaises, Lisbonne, Imprimeire Nationale, 1892.