REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Adivino(a)/Adivinar (ES) | Abarracar-se/Barracão (PT)

Author: Mafalda Soares da Cunha | Sandra Cristina Montoya

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora | Pontifícia Universidad Católica de Chile



Adivinhar tem etimologia latina (divinare) e em Castela, em 1611 significava “dezir lo que esta por venir, sin certimtumbre, ni fundamento, con temeridad y gran cargo de conciencia: e a los que profesan esta malla arte llaman adivinos” (Covarrubias 1611: 29, 1). Em 1726 pouco diferia, já que se definia como “el acto de decir las cosas venideras, ò conjeturar, ò acertar las mui difíciles y escondidas”. Era considerado “un vicio mui grave opuesto a la virtud de la religión” (RAE 1726: 85, 1). Em 1817, mantinha-se o significado (RAE 1817: 19, 3).

Em português e para Bluteau adivinha era a mulher que tomava o oficio de adivinhar (Bluteau 1728: v.1, 124) e, ao contrário do RAE, 1726, não usou o masculino. O mesmo ocorreu com Morais Silva (Silva 1789) parecendo, assim, ser entendido como um oficio exclusivamente feminino. Para Bluteau adivinhação é “superstição dos Romanos” e “introduziu muitos modos de adivinhar” que enumerou: pelo voo das aves (auspício), pelo canto das aves (agouro), pelas linhas da mão (quiromancia) por sortes (sortilégio); pelas feições do rosto (metoposcopia), pelos pontos feitos na terra (geomancia) pelos sinais das águas (hidromancia) pelo ar (aromancia), pelo fogo (piromancia) e pelos corpos mortos (nigromancia). Refere ainda que são superstições e que devem ser conhecidas pelos cristãos, pregadores ou oradores para melhor as desmascarar (Bluteau 1728: 124).

Na época colonial hispana, adivinhar podia ser entendido como uma ação de resistência religiosa, praticada muitas vezes por mulheres, sobretudo ciganas, negras e indígenas. Isso pode ser visto na documentação histórica, tal como na alegação fiscal do processo de fé de Juan Pérez de la Vega, asturiano viandante, julgado no Tribunal da Inquisição de Logroño, por adivinhação e superstições. (AGI, Inquisición, 3732, Exp.157). Em outros domínios coloniais, como é exemplo o NE de Angola, em África (Martins 1993: 138), a adivinhação era sobretudo praticada por pessoas do sexo masculino ou também por pessoas do sexo masculino. O mesmo se verificou no processo de 1746 contra António da Fonseca, morador em Alcântara no Estado do Maranhão, que foi acusado pelo Santo Ofício de práticas de adivinhação (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 1552).

A adivinhação denuncia a busca de antevisão do futuro ou explicações para fenómenos desconhecidos à margem, ou com rejeição, da racionalidade das formas de conhecimento aceites pela ciência ou pela religião europeias. Os praticantes femininos ou masculinos, alternativamente designados oráculos, curandeiros, babalaôs, entre outras designações, possuíam formas de autoridade religiosa e política que desafiavam os poderes dominantes. Essa a explicação para os poderes coloniais e os missionários frequentemente reprimirem a adivinhação como superstição, heresia ou feitiçaria. Neste sentido, pode entender-se como uma resistência cultural.

Ver também Pecado (ES) | Pecado (PT)


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, áulico, anatómico, architectonico […], Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 8 vols, 2 supl., 1712-1728.

Covarrubias, Sebastián de, Tesoro de la Lengua castellana o española, Madrid, Luis Sánchez, 1611.

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española., Quinta edición, Madrid, Imprenta Real, 1817.

Real Academia Española (RAE). Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española. Séptima edición, Madrid, Imprenta Real, 1832.

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...]. Compuesto por la Real Academia Española, Tomo primero. Que contiene las letras A.B, Madrid, Imprenta de Francisco Del Hierro, 1726.

Silva, Antonio de Moraes, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1. ed. Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, MDCCLXXXIX [1789], 2v.: v. 1: xxii, 752 p.; v. 2: 541 p.

Fontes manuscritas
Archivo General de Indias, Inquisición, 3732, Exp.157.

Processo de António da Fonseca, ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 1552.

Bibliografia
Martins, João Vicente, Crenças, adivinhação e medicina tradicionais dos Tutchkwe do Nordeste de Angola, Lisboa, IICT, 1993.