REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Palenque (ES) | Quilombo/Quilombola /Palenque (PT)

Author: Matheus Serva Pereira

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa

https://doi.org/10.60469/w0gr-gk14


Existiram variadas estratégias empregadas pelas populações escravizadas nas Américas com o intuito de organizarem e manterem espaços de autonomia e liberdade. Bush negroes na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa; maroons no Haiti e na Jamaica; cumbe na Venezuela; mocambo e quilombo no Brasil; palenque em Cuba e na Colômbia, são alguns dos desígnios empregados, ao longo dos séculos XVI e XIX, para denominar a formação de sociedades, relativamente autônomas ao mundo colonial europeu, originadas a partir do agrupamento de escravizados foragidos. Muitos dos assentamentos de escravizados fugidos tiveram domínio efetivo sobre territórios e formaram sociedades autônomas, tanto na América Portuguesa, como na Espanhola. Esta experiência de resistência encontrada em todo o mundo escravista americano foi nomeada a partir de dinâmicas contextuais referentes aos locais nas quais elas aconteceram. 

O termo cimarrón, originário das línguas aruaques, faladas por populações ameríndias da América do Sul e do Caribe, a partir do século XVII, consolidando-se no século XVIII, foi empregue maioritariamente para designar escravizados negros, de variadas origens africanas, foragidos. A formação de comunidades de escravizados fugidos na América Espanhola foi, maioritariamente, designada como palenque. A palavra palenque foi identificada no dicionário de Bluteau como sinônimo de tranqueira, que significava o “cerco que se faz de pau, para correr os Touros” (1721, v 8: 138, 3 e 241, 1). Palenque, em português palanque, também era entendido como um “antigo termo militar” usado quando da construção de cercos em um campo de batalha produzido a partir de estacas fincadas na terra que cingiam um determinado espaço (1721, v 6: 192, 1 e 2). Os espanhóis primeiramente utilizaram o termo palenque para designar fortificações indígenas que se rebelaram contra a presença espanhola, como as que encontraram no México, no Peru e na Colômbia, ao longo do século XVI (Anónimo a1544; Cieza de León 1553; Aguado c1573-1581). A partir do século XVII, com a expansão da população escravizada de origem africana na América Espanhola, em especial na região de Cartagena das Índias, na atual Colômbia, e a proliferação de comunidades de “negros cimarrones” que buscavam fortificarem-se para impedir os avanços das tropas espanholas, o termo palenque passou a ser empregue como sinônimo das sociedades criadas por escravizados foragidos. Aos habitantes de um palenque dá-se o nome de palenqueros/as.   

Na América Espanhola, as palavras empregadas para designar escravizados fugidos e as comunidades que estes construíram vieram dos corpos lexicais da América e da Espanha. No caso da América Portuguesa, provavelmente por conta da intensa participação de Portugal no tráfico transatlântico de escravizados, os termos utilizados para identificar essas experiências remontam a línguas africanas, sobretudo da África Central.   

Na América Portuguesa foram empregues dois desígnios para referenciar este tipo de situação. Na primeira versão do dicionário de Bluteau (1716, v 5: 522, 2), mocambo aparece como tendo o significado, no Brasil, de “aldeias de uns negros repartidas em choupanas”. Na sua versão reformada, publicada em 1789, a palavra mocambo é identificada tendo como sinônimo o desígnio quilombo (Bluteau e Silva 1789, v 2: 88, 1). Os termos quilombo e calhambola (quilombola) também surgem, possivelmente pela primeira vez, dicionarizados isoladamente neste momento (1789, v 2: 277, 1 e v 1: 217, 2). Quilombo é apresentado como uma palavra usada especificamente no contexto brasileiro para nomear “habitação feita nos matos pelos escravos pretos fugidos” e “a casa feita no mato, ou ermo, onde vivem os calhambolas, ou escravos fugidos”, sendo calhambola (quilombola) descrito como “escravo, ou escrava, que fugiu, e anda amontado, vivendo em quilombos”. 

O impacto da ocorrência da experiência de Palmares, localizado no atual Estado de Alagoas, no Brasil, e as transformações sociopolíticas na África Central foram fundamentais para essa mudança lexical. Palmares foi o maior quilombo de que se tem notícia no período colonial, tendo existido entre os anos de 1605-1606 e 1694. Sua vida foi marcada por momentos intermitentes de paz e conflito com as autoridades coloniais europeias. Segundo Lara (2021), apesar da presença de variados grupos étnicos provindos de diferentes regiões africanas, Palmares foi constituído política e culturalmente a partir das experiências de populações provindas pelo tráfico transatlântico de escravizados originário da atual Angola. Segundo Gomes (2005: 10), o termo quilombo “referia-se a um ritual de iniciação de uma sociedade militar dos guerreiros dos povos imbangala (chamados também de jagas)”. Falantes de kimbundu, os imbangalas avançaram militarmente, principalmente, sobre territórios de povos falantes de umbundu. O ritual de incorporação das populações conquistadas levava o nome de quilombo. Segundo Moura (2004: 335), o termo quilombo pode ser compreendido como um “aportuguesamento de kilombu, que, em quimbundu, significa arraial ou acampamento”.

Também merecem destaque os palenques que se estabeleceram, ao longo dos séculos XVI e XVIII, como redutos de liberdade no Caribe Sabanero, na atual Colômbia (Navarrete, 2003). Como observa Navarrete (2008), o palenque de San Basílio é o mais conhecido e longevo desse tipo de experiência. Seu surgimento remonta ao início do século XVII, quando diversos palenques se formaram na região dos Montes de Maria, a sessenta quilômetros de Cartagena das Índias. Dos palenques existentes nos seiscentos, o de San Miguel de Arcángel foi um dos mais importantes. Fundado na década de 1650, foi destruído em 1694 pelo governo de Cartagena. Porém, seus antigos moradores, juntamente com outros escravizados fugidos dispersos pela região, rapidamente reocuparam o território. Entre 1713 e 1714, a Coroa espanhola estabeleceu um acordo de paz com o palenque de San Miguel de Arcángel, reconhecendo a liberdade de seus habitantes e concedendo-lhes o território de San Basílio. Em 2005, a Unesco declarou o palenque de San Basílio um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Os quilombos e palenques, apesar de muitas vezes terem se estabelecido em territórios de difícil acesso e serem marcados pela política do esconderijo e do segredo, não foram sociedades isoladas. Estabeleceram relações com o mundo que os cercava, muitas vezes situando-se nas proximidades de regiões urbanizadas e com maior concentração demográfica. Apesar das constantes perseguições, quilombos como os existentes em Minas Gerais e na Baixada Fluminense (Rio de Janeiro), tiveram função importante no abastecimento de alimentos e de outros gêneros - como lenha - às cidades e fazendas que os circundavam. Ao mesmo tempo, propiciaram esconderijo para indivíduos descontentes ou perseguidos pela sociedade escravista. Portanto, os/as quilombolas e os/as palanqueros/as podiam ser escravizados foragidos, mas também libertos, pobres, indígenas, indivíduos acossados pela polícia etc. 

Alguns quilombos, como os estabelecidos em áreas afastadas da administração portuguesa ou imperial brasileira, como as regiões atuais de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, desempenharam um papel na ocupação do território atual do Brasil. Suas relações de conflito e negociação com autoridades e representantes da sociedade escravista terminaram por contribuir como argumento sustentador de uma presença portuguesa quando de disputas territoriais fronteiriças entre os domínios de Portugal e Espanha na América do Sul. 

No contexto brasileiro, o termo quilombo passou por sucessivos processos de ressemantização. Quando do avançar das campanhas pela abolição da escravidão, nas décadas de 1870-80, surgiram os quilombos abolicionistas. Ao longo do século XX, os movimentos negros do país apropriaram-se do termo, convertendo-o em um conceito explicativo para as condições de vida das populações negras e de suas lutas contra o racismo. A partir da década de 1980, a perspetiva histórica clássica dos quilombos e palenques como terras de escravizados fugidos passou por ressignificações classificatórias. No contexto das lutas pela redemocratização política no Brasil, o Estado brasileiro reconheceu o direito ao título de propriedade coletiva das terras ocupadas pelos “remanescentes das comunidades quilombolas” (Mattos 2006). A metamorfose lexical contemporânea está associada ao entrelaçamento de identidades camponesas, memórias do cativeiro e reivindicações por políticas de reparação. Na Colômbia, um processo semelhante aconteceu a partir dos anos 1990, com o reconhecimento de direitos fundiários as populações negras campesinas do país, muitas delas com origens e memórias do tempo do cativeiro. 


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario Portuguez e latino (Volume 5: letras K-N, Volume 06: Letras O-P, Volume 08: Letras T-Z), Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1716, https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/2252

Bluteau, Rafael, Diccionario Castellano y Portuguez para facilitar a los curiosos la noticia de la lengua Latina, com el uso del Vocabularios Portuguez y Latino, Suplemento do Vocabulario Portuguez e latino (Volume 08: Letras T-Z), Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1721, https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5441

Bluteau, Rafael & Silva, Antônio de Morais, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro (Volume 1: A – K, Volume 2: L - Z), Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5412 e https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5413

Fontes primárias
Anónimo, “Primera relación anónima de la jornada que hizo Nuño de Guzmán a la Nueva Galicia, a1544”, Real Academia Española (RAE), Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (CDH).

Cieza de León, Pedro, “Crónica del Perú, 1553”, Real Academia Española (RAE), Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (CDH).

Aguado, Fray Pedro de, “Historia de Santa Marta y Nuevo Reino de Granada, c1573-1581”, Real Academia Española (RAE), Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (CDH).

Bibliografia
Lara, Silvia, Palmares e Cacaú: o aprendizado da dominação, São Paulo, Edusp, 2021.

Mattos, Hebe. “‘Remanescentes das comunidades dos quilombos’: memória do cativeiro e políticas de reparação no Brasil”, Revista USP, 68, 2006, 104-111.

Gomes, Flávio, Palmares. Escravidão e liberdade no Atlântico Sul, São Paulo, Contexto, 2005.

Moura, Clóvis, Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, São Paulo, Edusp, 2004.

Navarrete, María Cristina. “Los palenques. Reductos libertarios en la sociedad colonial, siglos XVI y XVII”, Revista Historia y Sociedad, 14 (7), 2003, 77-96.

Navarrete, María Cristina. San Basilio de Palenque: memoria y tradición. Surgimiento y avatares de las gestas cimarronas en el Caribe colombiano, Cali, Universidad del Valle, 2008.