REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Restauración (ES) | Restauração (PT)

Author: Joana Fraga

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa

https://doi.org/10.60469/stzz-4995


Em 1647, no Tesouro da língua portuguesa, Bento Pereira define Restauração como “restauratio, onis reparatio, onis” (Pereira 1647: 83v,2). Em 1720, no Vocabulario Portuguez & Latino, Rafael Bluteau acrescenta à expressão latina “restituição ao primeiro estado”. Em 1789, Antonio de Moraes Silva considera a “restauração” como “o acto de restaurar ou ser restaurado”, dando vários exemplos: “Restauração da fortuna, do Reino, do comércio, das letras” (Silva 1789: 336,2). Em castelhano, o termo aparece frequentemente traduzido nos dicionários bilíngues. No Tesoro de la lengua castellana, de Covarrubias, o termo “restauración”, aparece como derivada de restaurar, que se define como reparar, renovar. (Covarrubias 1611: 11). Em 1737, o termo mantém a definição de “la recuperación y reparación de alguna cosa” (RAE 1737: 599,2). Para além do significado clássico, como “instauratio” ou “restitutio”, aparece uma segunda acepção como “santo y mui ilustre principio de la restauración de España, por haberla comenzado a obrar desde allí Nuestro Señor milagrosamente”, vinculada à reconquista cristã (RAE, 1937, t. V). Em 1825, o Diccionario de la lengua castellana de Núñez de Taboada acrescenta “libertad que se da a un pueblo o país sojuzgado, oprimido”, definição essa que é incorporada nas edições posteriores do dicionário da RAE.

No Portugal do século XVII, restauração foi entendida como o retorno a uma ordem política legítima que, por uma determinada razão, tinha sido substituída por outra ilegítima. Ou seja, de acordo com o vocabulário da época, “restauração” opunha-se a “rebelião”, um termo que caracterizava a ilegitimidade do movimento político. A restauração política mais conhecida é a da Independência de Portugal (1640), mas no século XVII encontramos também referências à restauração da Bahia (1625) e à restauração de Pernambuco (1654). A restauração da Bahia, em 1625, consistiu na recuperação da cidade, à data ocupada pelos holandeses. A recuperação da cidade deu origem a uma vasta literatura tanto de autores portugueses como espanhóis – recordemos que à data Portugal fazia parte da Monarquia Hispânica – que empregaram o termo “restauração” ou “restauración” com o sentido de recuperação ou restituição (por exemplo, João de Medeiros Correia, Relaçam verdadeira de tudo o sucedido na restauração da Bahia de todos os Sanctos (Correia, 1625) e Tomás Tamayo de Vargas, Restauración de la ciudad del Salvador i Baia de Todos Sanctos en la provincia del Brasil (Tamayo de Vargas, 1628).
Mas já antes, no início do século XVII, se pode ver a utilização do termo “restauração” com este sentido político. O grupo de apoiantes de D. António, Prior do Crato, candidato em 1580 ao trono português, liderado por Cristóvão de Portugal, seu filho, que se encontravam exilados em França, desempenharam um papel importante na formulação do conceito, ao recorrer a expressões como “la restauration de sa patrie” em textos impressos, referindo-se ao retorno da coroa portuguesa a um rei natural.
A Restauração de 1640, que pôs fim aos 60 anos de união ibérica, consistiu, de acordo com o discurso da época, numa aclamação justa – neste caso do duque de Bragança como D. João IV rei de Portugal – levada a cabo com a maior moderação. A argumentação assentava nesta ideia de “restituição justa” do trono a um “rei natural”, depois de um período de incumprimento das leis. Entre os muitos exemplos que se poderiam enunciar, contamos com as obras de João Pinto Ribeiro, Usurpação, Retenção e Restauração de Portugal (Lisboa, 1641); D. Gregório de Almeida, Restauração de Portugal Prodigiosa (1643); Conde de Ericeira, História do Portugal Restaurado (Lisboa, 1679). 

Em 1654, a insurreição pernambucana ficou também conhecida como a Restauração de Pernambuco, ao restituir à coroa portuguesa a capitania até então ocupada pelos holandeses. Entre as várias obras sobre o acontecimento, pode-se citar, a título de exemplo, Fr. Rafael de Jesus, Castrioto Lusitano: entrepresa, e restauraçaõ de Pernambuco (Jesus, 1679). O termo restauração manteve-se em uso ao longo dos séculos XVIII e XIX, sempre com o sentido de Restituição, sendo usado ainda hoje. A historiografia tem dado um especial ênfase à Restauração de 1640. Muito influenciada pelo Estado Novo, esta ideia de “retorno a uma ordem prévia legítima” prevaleceu. Apenas nos últimos vinte anos se tem assistido a uma renovação historiográfica que pretende ultrapassar esta leitura de carácter nacionalista. Porém, a expressão “restauração de 1640” continua a ser de uso corrente. 

No âmbito da Monarquia Hispânica, o termo restauração não conheceu igual popularidade. Foi utilizada de forma esporádica com o mesmo sentido de se regressar a uma ordem prévia, aplicada sobretudo à reconquista cristã (Mesa, 1607) e à conquista de cidades e praças em territórios da monarquia de Filipe IV durante a Guerra dos Trinta Anos (foi, por exemplo, o caso da restauração de Lérida). O termo assumiu uma maior importância política a partir do século XIX, com o restabelecimento da monarquia depois de ter sido substituída pela Primeira República. Porém, utilizou-se sobretudo para se referir à reposição de um rei destronado ou de dinastias depostas. A partir de finais do século, “restauração” passa a estar fortemente associada ao período histórico conhecido como “Restauração Borbónica” (1874-1931).


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez & latino, áulico, anatómico, architectonico […], vol. 7, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1720, https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5443

Covarrubias Horozco, Sebastián de, e Sánchez, Luis, Tesoro de la lengua castellana o española, Madrid, Luis Sanchez, 1611. https://archive.org/details/A253315/page/n1241/mode/2up

Núñez de Taboada, M., Diccionario de la lengua castellana, París, Seguin, 1825. ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.

Pereira, Bento, Tesouro da língua portuguesa, Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1647. http://purl.pt/29129

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua. Tomo quinto, Madrid, Imprenta de la Real Academia Española, herederos de Francisco del Hierro, 1737. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.

Silva, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, vol. 2, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1789. https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5413

Fontes impressas
Almeida, Gregório de, Restauração de Portugal Prodigiosa, Lisboa, Antonio Alvarez, 1643. http://purl.pt/11978

Correia, João de Medeiros, Relaçam verdadeira de tudo o sucedido na restauração da Bahia de todos os Sanctos, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1625.

Ericeira, Conde da, História do Portugal Restaurado, Lisboa, officina de João Galrão, 1679-1698. http://purl.pt/22311

 Jesus, Fr. Rafael de, Castrioto Lusitano: entrepresa, e restauraçaõ de Pernambuco, Lisboa, António Craesbeeck, 1679. http://purl.pt/37287

 Ribeiro, João Pinto, Usurpação, Retenção e Restauração de Portugal, Lisboa, oficina de Lourenço de Anveres, 1641.

 Tamayo de Vargas, Tomás, Restauración de la ciudad del Salvador i Baia de Todos Sanctos en la provincia del Brasil, Madrid, viuda de Alonso Martín de Balboa, 1628.

Bibliografia
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Lenk, Wolfgang, Guerra e Pacto Colonial. A Bahia contra o Brasil Holandês (1624-1654), São Paulo, Alameda, 2013.

Mello, Evaldo Cabral de, Olinda Restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654, São Paulo, Editora 34, 2007.

Torgal, Luís Reis, “Acerca do significado sociopolítico da “Revolução de 1640””, Revista de História das Ideias, 6, 1984: 301-319.

Valladares Ramírez, Rafael, “Sobre reyes de invierno: El diciembre portugués y los cuarenta fidalgos (o alguno menos, con otros más)”, Pedralbes. Revista d’Historia Moderna, 15, 1995: 113-136.