REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Prieto (ES) | Preto (PT)

Author: Felipe Garcia de Oliveira

Affiliation: CHAM-NOVA FCSH

https://doi.org/10.60469/mgtd-kb87


Nos dicionários espanhóis e portugueses dos séculos XV, XVI e XVII a palavra preto/prieto aparece associada à cor ou coisa negra. Por exemplo, no dicionário português-latim Cardoso define em latim preto como “niger, a, um”, que era preto ou coisa preta (Cardoso, 1562: 88v). Nebrija define no espanhol prieto como “aquello mesmo es que negro” (Nebrija 2007: fol. LXXXIVr). Alcalá também definiu como o mesmo que negro (Alcalá, 1505: 409). Covarrubias definiu prieto como “color que tira a negra” (Covarrubias, 1611: 596). Ao final do século XVII, o português Pereira definiu “Niger, gra, grum” podia ser definido como “cousa negra, preta, item cousa mã, facinorosa, nociva, morta, escura, de mao agouro, triste” (Pereira,1697: 432). Preto foi traduzido nos dicionários do espanhol para o inglês como black (Stevens, 1706) e para o francês como noir (Palet, 1604). Estes mesmos dicionários podiam conter o termo negro com alguma associação ao ser cativo (ver léxico negro).

No Diccionario de Autoridades da Academia Real Espanhola contém três entradas para prieto. A primeira, a que mais nos interessa, define como o “que se aplica al color mui obscúro y que casi no se distingue del negro. Tómase muchas veces por el mismo color negro. Latín. Subniger. Furvus. Niger”. O dicionário informa ainda que “Universalmente llamamos a toda gente prieta de África, Ethiopes”.  A segunda entrada definia como “Se toma tambien por lo mismo que Apretado”; a terceira como “Se suele usar en Aragón por lo mismo que mísero, escaso, codicioso.” (Diccionario de Autoridades. Real Academia Española, 1726 a 1739). No dicionário português do início do século XVIII, o padre Rafael Bluteau definiu preto como o mesmo que “Negro. Alter, atra, um. Ou Niger, gra, grum. Cic” (Bluteau, 1720: 727). No entanto, acrescentando diretamente que “Preto também se chama o escravo Preto. Servus niger” (Bluteau, 1720: 727). E pretinho era o mesmo que negrinho e “o mesmo que pequeno escravo. Preto. Servulus niger” (Bluteau, 1720: 727). No dicionário português, francês e latim do final do século XVIII, preto é definido como “Negro” e “Escravo negro” (Costa e Sá, 1794: 285- 286.).

O que se percebe, é que ao longo dos séculos, nos dicionários, o termo preto/prieto, em concordância com o termo negro, passou a fazer associação direta com a condição de escravo. Esta associação entre pessoas de cor preta e a escravidão fez emergir na prática, ainda no século XVII, os impedidos para fazer parte das Ordens militares ou receber os hábitos religiosos, uma vez que passa a associar a cor como a qualidade de nascimento e ao defeito mecânico da escravidão. (Figueiroa-rego, & Olival, 2001; Dutra, 2011). Ao que se tem notícias, diferente da América Portuguesa, na América Espanhola o termo prieto não foi amplamente utilizado nos documentos (Forbes, 1993; Paiva, 2015). No mundo luso, além de amplamente utilizado, ele geralmente substituiu o termo “negro” e “escravo”; às vezes é possível encontrar “escravo preto”, fazendo uma referência à cor do cativo (Lara, 2007). No que toca essa substituição, podemos verificar, por exemplo, que no alvará de 19 de setembro de 1761 o termo preto foi usado como escravo. O alvará abolia o tráfico de “pretos e pretas” (entendendo ser escravo) para Portugal e Algarves (Silva 1830: 810-811). O mais interessante é que foi justamente por usar o termo preto como escravo que, em 02 de janeiro de 1767, foi necessário publicar um aviso para esclarecer que não cabia a interpretação que alguns fizeram, de que a liberdade era só para os pretos/pretas, deixando os mulatos em escravidão (Silva 1844:128-129).

É oportuno salientar que muito embora o termo preto não tenha em todos os dicionários uma referência direta como sendo aos nascidos no continente africano, como a palavra negro tinha, sabemos que os africanos que conseguiam sua alforria eram identificados e se identificavam, por muitas vezes, nas fontes, como “preto/a forro/a”. Na documentação os sujeitos eram identificados e se identificavam como “nome + qualidade + estatuto jurídico” (Paiva, 2015; Vinson III, 2017). Assim, o preto, enquanto qualidade de cor, fazia referência à ascendência ou/e descendência africana, e o forro à sua condição jurídica (Paiva, 2015; Guedes, 2016). Ainda que o termo fosse usado como escravo e a despeito da desonra que o passado escravo tinha para essas pessoas, o termo preto foi importante para forjar organizações e identidades de egressos africanos do cativeiro. Prova disso são as irmandades (Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, por exemplo), os terços (de Gente preta e Dos Henriques, por exemplo) e as várias associações de homens pretos no mundo ibérico. Por fim, parece oportuno apontar que, final do século XVIII, prieto foi definido como “lo mismo que negro, ó moreno”, no mesmo dicionário que definia pardo como moreno (Esteban de Terreros y Pando, 1788: 210). Assim, talvez, e no que pesa negro, preto e escravo em vários momentos serem equivalentes na documentação, o termo preto podia apresentar alguma diferença para forjar identidades, mas também abarcava quase tudo que não era branco.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Alcalá, Fray Pedro de. Vocabulista arávigo en letra castellana. Granada, Juan Varela, 1505, disponível em Biblioteca de la Real Academia Española. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.

Bluteau, Rafael, Vocabulario de synonimos, e phrases portuguezas, Supplemento ao Vocabulário Portuguez e Latino, II, Lisboa, na officina de Pascoal da Sylva, 1720, https://purl.pt/13969.

Cardoso, Jerónimo, Dictionarium ex Lusitanico in latinum sermonem, Ulissypone: ex officina Ioannis Aluari, 1562, https://purl.pt/15192.

Costa e Sá, Joaquim José da, Dicionário Portuguez-francez e Latino, Lisboa, Ferreira,1794,https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=chi.085102586&view=1up&seq=974&q1=preto

Covarrubias y Orozco, Sebastián de, Tesoro de la lengua castellana o española, En Madrid, por Luis Sanchez, 1611, https://www.cervantesvirtual.com/obra/tesoro-de-la-lengua-castellana-o-espanola-0/.

Real Academia Española (RAE),  Diccionario de la lengua castellanaen que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...]Madrid, 1726-1739. https://apps.rae.es/ntlle

Esteban de Terreros y Pando, Diccionario castellano: P-Z, Madrid, la viuda de Ibarra, hijos y compañía, 1788, https://books.google.com.gt/books?id=7yU0LNL0F4UC&hl=es&lr=&num=20&source=gbs_book_other_versions_r&cad=3.

Nebrija, Elio Antonio de, Vocabulario español-latino, Reproducción digital de la edición de Salamanca, 1495?, Otra ed.,Ed. facsimilar de Madrid, Real Academia Española, 1951, https://www.cervantesvirtual.com/nd/ark:/59851/bmcvm466

Palet, Juan, Diccionario muy copioso de la lengua española y francesa [...]. Dictionaire tres ample de la langue espagnole et françoise. París, Matthieu Guillemot, 1604, disponível la Biblioteca de la Real Academia Española, <https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.>

Pereira, Bento, Prosodia in vocabularium bilingue, Latinum, et Lusitanum digesta... Eborae, ex Typographia Academiae, 1697, 7ed., https://purl.pt/30226.

Fontes impressas
Silva, Antônio Delgado da, Collecção da Legislação Portugueza: v. 1: de 1750 a 1762, Lisboa, Tipografia Maigrense, 1830, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/518674.

Silva, Antônio Delgado da, Supplemento à Collecção de Legislação Portugueza: v. 2: de 1763 a 1790, Lisboa,Tipografia de Luiz Correa da Cunha, 1844.

Bibliografia
Dutra, Francis A, “Ser mulato em Portugal nos primórdios da época moderna”, Tempo, 16 (30), 2011, disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-77042011000100005>

Figueiroa-Rego, João de & Olival, Fernanda. Cor da pele, distinções e cargos: Portugal – espaços atlânticos portugueses (séculos XVI a XVIII). Tempo. Rio de Janeiro, UFF, nº 30, janeiro/junho de 2001, disponível em< http://hdl.handle.net/10174/3094>

Forbes, Jack D, Black Africans & Native Americans, Color, Race and Caste in the Evolution of Red-Black Peoples, Urbana, University of Illinois Press, 1993.

Guedes, Roberto e Fragoso, João. (orgs.), História social em registros paroquiais (Sul-Sudeste do Brasil, séculos XVIII-XIX), Rio de Janeiro, Mauad, 2016.

Lara, Silvia H, Fragmentos Setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

Paiva, Eduardo França, Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América entre os séculos XVI e XVIII, Belo Horizontes, Autêntica Editora, 2015.

Viana, Larissa, O idioma da mestiçagem, As irmandades de pardos na América Portuguesa, Campinas/SP, editora da Unicamp, 2007.

Vinson III, Ben, Before Mestizaje, The Frontiers of Race and Caste in Colonial Mexico, New York, Cambridge University Press, 2017.