REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Petición/pedimiento (ES) | Petição (PT)

Author: Arthur Curvelo

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa | Universidade Federal de Alagoas

https://doi.org/10.60469/xz89-2242


Petición ou pedimento é sinónimo de “demanda” nos primeiros dicionários castelhanos (Alcalá, 1504, 398; Oudin, 1607, 405). A palavra é também definida como “el acto de pedir”, intimamente associado a um sentido religioso: “oración con que se pide”, “se llaman peticiones las del Padre nuestro” (RAE, t.5, 1737, 246). No primeiro dicionário da língua portuguesa, a palavra petição é tratada num sentido mais restritivo, de ato de comunicação ou “o papel em que se pede alguma cousa ao Príncipe, ou aos seus ministros” (Bluteau, 1720, v.6, 470). No fim do século XVIII, dicionários como os de Terreros y Pando, em castelhano, ou o de António de Moraes Silva, em português, evocam os usos processuais da expressão de forma mais explícita, tendência que se reproduz na primeira metade do século XIX (RAE, 1817, 668; Pinto, 1832, 813). o primeiro define petición como um “término forense, demanda, o súplica judicial” (Terreros y Pando, t.3, 1788, 118) ao passo que o segundo trata petição como “o acto de pedir, pedimento, requerimento vocal, ou por escrito de alguma coisa devida por justiça, ou que é de mercê e graça” (Silva, 1789, v.1, 444).

Num texto inédito, que sintetiza tradições lexicográficas e literatura jurídica, António Manuel Hespanha define “petição” como um ato de comunicação política que, por sua forma e natureza, “evoca la idea de un pedido orientado a suscitar el favor, la gracia”, ou a concessão de algo que os titulares do governo não estão formalmente obrigados a conceder (Hespanha, inédito). Distinguem-se, em: petições de justiça, libelos, como as que dão início aos litígios jurídicos, escritas de acordo com certas formalidades processuais e cujo deferimento não é puramente arbitrário, mas previsto pelo direito; e as petições de graça, também chamadas petições de governo, que não apresentam uma formalidade jurídica estritamente definida, sendo atendidas conforme o arbítrio das instâncias que as recebem e que têm jurisdição para lhes dar deferimento.

Existem outras designações para semelhantes atos comunicativos, que podem ser associadas, sobretudo, ao segundo tipo. Em português, encontra-se, por exemplo, “requerimento”, entendido por Bluteau como “petição verbal” (Bluteau, v. 7, 1720, 

274) que manifesta o ato de “requerer”, em que alguém “requer” a “sua fazenda” “a sua justiça em juízo”, e ainda “requerer alguém, ou contra alguém. Acusá-lo”. (Bluteau, v. 7, 1720, 273-274). Em castelhano, um dos significados atribuídos à palavra “representación” é o de “súplica o proposición motivada, que se hace a los príncipes y superiores” (RAE, t.5, 1737, p. 584), plenamente verificável no mundo português, ainda que esteja ausente na definição da palavra “representação” nos dicionários setecentistas.

Petições, requerimentos e representações, muitas delas manifestas em cartas, são, portanto, atos comunicativos apresentados de forma escrita ou oral, perante uma autoridade constituída para apresentar pedidos, reivindicações, queixas e opiniões. Os peticionários e requerentes dirigiam-se de forma individual, corporativa ou coletiva para manifestar-se contra determinações emanadas do poder régio ou de outras instâncias governativas, seculares ou eclesiásticas, contra o procedimento de governadores e ministros, contra abusos do poder e dos poderosos locais, contra mudanças políticas em matéria fiscal, dentre inúmeros outros temas. Certas instituições, como as câmaras ou cabildos, especializaram-se nesta modalidade de resistência institucional, enviando, com frequência, denúncias contra oficiais régios e pedidos de redução dos tributos (Bicalho, 2001). Porém, vários outros protagonistas desprovidos de representação institucional valeram-se de petições para encetar resistências. Foi por meio de uma petição escrita em quéchua geral, no Peru, em data próxima a 1670, que os caciques do pueblo de Uyapacha queixaram-se ao bispo de Huamanga, contra a decisão de tirar-lhes um cura que administrava os sacramentos, obrigando-os a ouvir as missas em Guacaña, a três léguas de distância de sua estância (Itier, 1992, 4). No Brasil, foi através de uma representação dirigida ao Conselho Ultramarino, em 1723, que os índios do aldeamento de Santo Amaro, comarca de Alagoas, conseguiram demarcar meia légua de terra que possuíam há quase cem anos, freando, com isso, tentativas de usurpação perpetradas por D. Catarina de Araújo, senhora de um engenho nas cercanias (AHU, CU, Alagoas, Cx.1, D. 38). Casos como estes mostram que as petições permitem formalizar atos de resistência através do recurso aos canais institucionais de comunicação disponibilizados pelas monarquias ibéricas para a resolução de conflitos e negociações.


REFERÊNCIAS

Dicionários

Alcalá, Fray Pedro de. Vocabulista arávigo en letra castellana. En Arte para ligeramente saber la lengua aráviga. Granada: Juan Varela, 1505. https://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000037465

Bluteau, Rafael. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico ...: autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes , e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. Joaõ V. Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu: Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, v.5 e 6, 1720, ; 2 Suplementos. https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico/

Oudin, César. Tesoro de las dos lenguas francesa y española. Thresor des deux langues françoise et espagnolle, París, Marc Orry, 1607.

Pinto, Luís Maria da Silva, Diccionario da lingua brasileira, Ouro Preto, Typographia de Silva, 1832.

Real Academia Española (RAE). Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...]. Compuesto por la Real Academia Española. Tomo quinto. Que contiene las letras O.P.Q.R. Madrid. Imprenta de la Real Academia Española, por los herederos de Francisco del Hierro. 1739. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Real Academia Española (RAE). Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española. Quinta edición, Madrid, Imprenta Real, 1817. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.

Terreros Y Pando, Esteban de. Diccionario castellano con las voces de ciencias y artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana [...]. Tomo tercero (1767). Madrid, Viuda de Ibarra, 1788. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0.

Fontes primárias manuscritas
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Conselho Ultramarino (CU), Manuscritos Avulsos da Capitania das Alagoas, Cx.1, D. 38.

Bibliografia
Bicalho, Maria Fernanda B. "As câmaras ultramarinas e o governo do império". In. J. Fragoso, M. F. Bicalho, M. F Gouvêa (eds.). O antigo regime nos trópicos, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, pp. 189-222

Hespanha, António Manuel. “Peticiones”. Comunicação apresentada na Conferência Internacional Petitions in the Age of Atlantic Revolutions (c.1760-1840) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em 2019 (texto inédito).

Itier, César (1992) “Un nuevo documento colonial escrito por indígenas en quechua general: la petición de los caciques de Uyupacha al obispo de Huamanga (hacia 1670)”, Lexis, 16 (1), 1992, 1–21. https://doi.org/10.18800/lexis.199201.001.