REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Pardo (ES) | Pardo (PT)

Author: Felipe Garcia de Oliveira

Affiliation: CHAM-NOVA FCSH

https://doi.org/10.60469/73dm-z683


Pardo era uma palavra presente no vocabulário ibérico desde pelo menos o século XV, tendo possíveis origens do latim pardus e do grego pardos que fazia referência à cor escura do pardal e do leopardo, respetivamente. No dicionário latino espanhol de Nebrija, de 1495, pardo tem três entradas, sendo a primeira, a que mais nos interessa por versar sobre a cor, como “color de paño. Venetus, a, um” (Nebrija 2007: fol. LXXIXr), as outras fazem referência ao animal (leopardo/pardal). Por vezes pardo podia estar acompanhado e tinha concordância com baço/a, que também era usada para cor. Nebrija em seu dicionário definia baço/a como “cosa um poco negra, fuscus, a, um” (2007: fol. XVIIv). Jeronimo Cardoso, para o português, definia pardo e baço como “fuscus, a, um” (Cardoso, 1562: 83).

Antes mesmo da chegada ao Novo Mundo, pardo fazia referência de alguma forma à cor ou ao fenótipo de pessoas que não pareciam ser brancas e nem negras. Em 1448, Gomes Eanes de Azurara descreveu os cativos mouriscos capturados pela Coroa Portuguesa informando que alguns eram razoavelmente brancos, outros negros como etíopes, e havia aqueles “que queriam semelhar pardos” (Azurara 1841: 133.). Não obstante, Pero Vaz Caminha, em sua carta, descreveu os povos originários tal como os papagaios, considerando que eles eram de feições “pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes (...)” (Caminha).

No início do século XVII, Covarrubias apresenta duas entradas, a primeira como o leopardo, a segunda como “color, que es el próprio que la oveja, ó el carneiro tiene, y le labran, y adereçam, haziendo pano (...)”, informa ainda que os vestidos pardos/pardillos eram de pessoas humildes. (Covarrubias, 1611:134). Tal como Nebrija e Cardoso, que faziam concordância entre a palavra baço/a, pardo e fuscus, o autor dizia que “era cor pardilla” (Covarrubias, 1611: 77). Bento Pereira em Prosodia in Vocabularium, define Pardus como o “macho da onça”, ou seja, a referência principal era do leopardo (1697: 474). No entanto, fez referência à cor cinzenta quando definiu o que era Leucophaeus (pardal), como “cor parda, pardilla, cinzenta”, “cousa parda, cinzenta” “cousa vestida de pardo, de pardillo, de burel, de cor cinzenta” (1697: 366). Notemos que no dicionário de traduções do espanhol para o inglês do início do século XVIII, pardo é “grey”, ou seja, cinza (Stevens, 1706).

Ainda neste período, alguns autores fizeram a relação de pardo com a palavra moreno. Foi o que escreveu Solórzano Pereyra, em 1647, em sua importante obra Política Indiana, quando definiu “Los hijos de Negros, y Negras libres se llaman Morenos, ó Pardos, y eres suelen vivir arregladamente, y en algunas partes hay Compañías milicianas de estos, que sirven muy bien en las Costas, y deben ser atendidos” (Solórzano Pereyra, 1648: cap. XXX, parágrafo 36, 219). É importante perceber que a definição estava sendo posta para pessoas neste caso. Em um dicionário de latim, francês e italiano do final do século XVIII, pardo aparece como “gris” e “moreno” (Esteban de Terreros y Pando, 1788: 41). Desse modo, moreno e pardo foram equiparados. Vale dizer que moreno vem de moro/mouro. Pardo também foi a palavra usada para traduzir o termo bruno e berretino, em italiano (Forbes 1993: 115- 116).

Os dicionários do século XVIII igualmente faziam alguma referência à cor e ao animal. No dicionário das autoridades da Academia Real Espanhola, pardo tem três entradas, a que nos interessa, era a definição de adjetivo que se aplicava “al color que resulta de la mezcla del blanco y negro” (Diccionario de Autoridades, 1726 a 1739), as outras eram do pardo como pássaro pardal e de leopardo. A Real Academia Espanhola definiu ainda, um pouco mais tarde, como sendo “Dicho de un color: Semejante al de la tierra o al de la piel del oso, y que tira a marrón o a rojizo”. Aqui há o afastamento do cinza, definindo que pardo estava entre o branco e o preto e com tons avermelhados, como a terra e a pele dos ursos.

Não muito diferente das concepções anteriores, Rafael Bluteau define Pardo como “cor entre branco, & preto, própria do pardal, donde parece lhe veio o nome” (Bluteau, 1720: 265.), além da referência aos animais, Bluteau marca um ponto interessante pois associa pardo ao homem. Assim, as noções de classificação em voga na sociedade colonial parecem ter se refletido em sua definição. O autor define que “homem pardo” deveria ser remetido ao mulato. E, por sua vez, o Mulato/a foi definido como “Filha, & filho de branca, & negra [sic], ou de negro, & de mulher branca. Este nome Mulato vem de Mú, ou mulo, animal gèrado de dous outros de diferente espécie” (Bluteau, 1726: 628). O termo mulato era uma palavra já mobilizada para fazer referência às pessoas mestiçadas, “híbridas”, como os dicionários desde o século XVI denominavam (Forbes, 1993; Triana y Antorveza, Humberto, 2007).

Como é possível verificar, pardo fazia menção nos dicionários à cor, uma cor entre o branco e o preto, que mais tarde foi ganhando contornos avermelhados e sendo associado aos homens e mulheres mestiços/as. Muito embora Bluteau tenha feito a associação entre o homem pardo e o mulato como iguais, na dinâmica social, os sentidos eram diferentes. Os estudos mais recentes demonstram que pardo, mais que uma indicação de cor ou fenótipo, era, na sociedade colonial e imperial no mundo ibérico, um lugar social. Diferente do termo mulato que era marcado por noções pejorativas, o pardo podia carregar convicções mais neutras, sobretudo a partir dos impedimentos que as duas Coroas passam a criar aos mulatos no século XVII e XVIII, impedimentos de acesso aos cargos públicos a partir da “pureza de sangue” e dos chamados defeitos de “mulatice”.

Uma série de documentos dão conta de que o termo mulato podia ser xingamento e quase sempre era utilizado para desqualificação em processos judiciais. Em contrapartida, o termo pardo foi amplamente evocado pelas populações para angariar algum direito ou pedir algum privilégio. Vale lembrar que a formação das irmandades, confrarias e milícias de pardos faz parte deste movimento de inserção social. (Lara, 2007; Viana, 2007; Triana y Antorveza, Humberto, 2007). O termo não era e nem pode ser tomado de forma universal e padronizada, estava antes marcado pelas estratégias e pelas concepções locais. Desse modo, a partir do cruzamento de fontes é possível perceber que ninguém era pardo, a pessoa estava pardo (Guedes, 2016). Na documentação os sujeitos eram identificados e se identificavam como “nome + qualidade + estatuto jurídico” (Paiva, 2015; Vinson III, 2017). Pardo foi um termo usado como qualidade do sujeito. Entendemos qualidade nos termos do Antigo Regime, em que se considerava a proveniência, ascendência familiar, origem religiosa e fenótipo para classificação do lugar social que a pessoa ocupava.

Em uma sociedade marcada pela hierarquização e pela ideia de desigualdades naturais, os sujeitos foram definidos por sua qualidade e estatuto jurídico. Ao que tudo indica, o termo pardo ao ser utilizado pelas populações nas Américas buscava afastar o passado africano/escravo e aproximar do branco/liberdade, sobretudo quando se associava ao termo “forro”. Portanto, quando a pessoa era descendente de africano o termo estava junto do “forro”; quando indígena, somente o pardo constava. Neste sentido, indígenas, filhos de africanos e os escravizados nascidos no espaço colonial, por exemplo, muitas vezes foram identificados como pardos e se auto identificaram como tais. Como parte de diversas estratégias sociais em busca de diferenciação e ascensão, os estudos mostram que ao ditarem seus testamentos, as suas petições, as suas cartas, quando batizavam seus filhos, os sujeitos buscavam serem classificados como pardos (Guedes, 2016).


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario de synonimos, e phrases portuguezas, Supplemento ao Vocabulário Portuguez e Latino, II, Lisboa, na officina de Pascoal da Sylva, 1720, https://purl.pt/13969

Cardoso, Jerónimo, Dictionarium ex Lusitanico in latinum sermonem, Ulissypone: ex officina Ioannis Aluari, 1562, https://purl.pt/15192

Costa e Sá, Joaquim José da, Dicionário Portuguez-francez e Latino, Lisboa, Ferreira, 1794, https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=chi.085102586&view=1up&seq=911&q1=pardo

Covarrubias y Orozco, Sebastián de, Tesoro de la lengua castellana o española, En Madrid, por Luis Sanchez, 1611, https://www.cervantesvirtual.com/obra/tesoro-de-la-lengua-castellana-o-espanola-0/

Esteban de Terreros y Pando, Diccionario castellano: P-Z, Madrid, la viuda de Ibarra, hijos y compañía, 1788, https://books.google.com.gt/books?id=7yU0LNL0F4UC&hl=es&lr=&num=20&source=gbs_book_other_versions_r&cad=3

Nebrija, Elio Antonio de, Vocabulario español-latino, Reproducción digital de la edición de Salamanca, 1495?, Otra ed.,Ed. facsimilar de Madrid, Real Academia Española, 1951, https://www.cervantesvirtual.com/nd/ark:/59851/bmcvm466

Pereira, Bento, Prosodia in vocabularium bilingue, Latinum, et Lusitanum digesta... Eborae, ex Typographia Academiae, 1697, 7ed., https://purl.pt/30226

Fontes impressas
Azurara, Gomes Eanes de, Chronica do descobrimento e conquista de Guiné, escrita por mandado de el Rei D. Affonso V, Pariz: na Officina Typographica de Fain e Thunot, 1841, https://purl.pt/216

Caminha, Pêro Vaz de, Carta a el-rei d. Manuel sobre o achamento (1 de maio de 1500), Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional,  http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf

Solórzano Pereira, Juan de, Politica indiana: sacada en lengua castellana de los dos tomos del Derecho i govierno municipal de las Indias Occidentales que ...,En Madrid, por Diego Diaz de la Carrera, 1648, https://www.cervantesvirtual.com/obra/politica-indiana---sacada-en-lengua-castellana-de-los-dos-tomos-del-derecho-i-gouierno-municipal-de-las-indias-occidentales-que--escribio-en-la-latina--don-iuan-de-solorzano-pereira-/

Triana y Antorveza, Humberto, Léxico Documentado para la Historia del Negro en América, Siglos XV-XIX, Tomo VII: P, Bogotá, Instituto caro y cuervo, Biblioteca Ezequiel Uricoechea, 2007.

Historiografia
Forbes, Jack D, Black Africans & Native Americans, Color, Race and Caste in the Evolution of Red-Black Peoples, Urbana, University of Illinois Press, 1993.

Guedes, Roberto e Fragoso, João. (orgs.), História social em registros paroquiais (Sul-Sudeste do Brasil, séculos XVIII-XIX), Rio de Janeiro, Mauad, 2016.

Lara, Silvia H, Fragmentos Setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

Paiva, Eduardo França, Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América entre os séculos XVI e XVIII, Belo Horizontes, Autêntica Editora, 2015.

Viana, Larissa, O idioma da mestiçagem, As irmandades de pardos na América Portuguesa, Campinas/SP, editora da Unicamp, 2007.

Vinson III, Ben, Before Mestizaje, The Frontiers of Race and Caste in Colonial Mexico, New York, Cambridge University Press, 2017.