REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Negro (ES) | Negro (PT)

Author: Felipe Garcia de Oliveira

Affiliation: CHAM-NOVA FCSH

https://doi.org/10.60469/s2c3-f583


O termo negro (niger) foi amplamente utilizado no universo ibérico. Ao que sabemos, nos dicionários e nos documentos do século XV e XVI sua referência era a de cor e vinculado aos que provinham de alguma parte do continente africano. Por exemplo, tal referência já estava posta em 1448, quando Gomes Eanes de Azurara descreveu os cativos mouriscos capturados pela Coroa Portuguesa informando que alguns eram “negros como etiópios” (Azurara 1841: 133). Pouco tempo depois, vemos que no dicionário do espanhol Nebrija a definição de “negra cousa”’ é “niger, a, um. Ater, a, um”. Neste mesmo dicionário, o termo negro acompanha o termo Guiné. Assim, temos a definição de “Negro de guinea, ethiops, pis.” e “Negra de guinea, ethiopissa, e.” (Nebrija, 2005: fol. LXXIVv). Em Jerónimo Cardoso, encontramos o termo “negra” como “Aethiopissa, ae.” e “negro cativo” como “athiops, opis.” (Cardoso, 1562: 79). É interessante perceber que a referência ao “negro cativo” era o “Etíope”, ou seja, escravizado de cor negra.

No início do século XVII é possível perceber que para além da questão de cor e a cor dos etíopes, negro estava associado ao pejorativo, à tristeza e à desonra. Por exemplo, Covarrubias definiu Negro como “uno de los dos estremos de las colores, opuesto a blanco, Latine niger. Negro el Etiope de color negra. Es color infausta y triste, y como tal víamos desta palabra, diciendo: Negra ventura, negra vida, & e. Proverbio, Aunque negros gente somos. No se ha de despreciar a nadie por humilde y baxo que sea. Sobre negro no ay tintura. Ni se si es blanco, ni negro, id est, no tengo noticia del.” O autor definia Negra como “la mujer negra” (Covarrubias y Orozco, 1611: 562). Ao final deste século, o português Bento Pereira, em seu Prosodia in vocabularium bilingue, também definiu “Niger, gra, grum” como “Cousa negra, preta, item cousa mã, facinorosa, nociva, morta, escura, de mao agouro, triste” (Pereira, 1697: 432).

As definições parecem ter seguido sem muitas alterações nos dicionários espanhóis e portugueses do século XVIII. Neste sentido, a Academia Real Espanhola definiu negro como um adjetivo que “se aplica al color que resulta o se halla en el cuerpo opáco, y poroso que recibe la luz, y no hace la reflexión de ella. Es uno de los colores primarios y sin mezcla de otro”, “lo que tiene el color negro”, “Se toma también por moreno, ò que le falta la blancura que le corresponde: y assi se dice que el pan es negro”, “Vale también obscuro, ò obscurecido y deslucido, ò que ha perdido ò mudado el color que le corresponder”, “Se toma figuradamente por sumamente triste y melancholico”, “Se toma también por infeliz, infausto y desgraciado” e, por fim, “Se llama assimismo el Etíope, porque tiene ese color” (RAE, 1734, T. 4 : 661).

O padre Rafael Bluteau em seu dicionário seguia definindo negro como “cor negra, ou tinta negra. He hu dos dous extremos das cores, & he oposto ao branco. O negro com que se pinta, ou tinge, he hum corpo opaco, & poroso, que recebe em si a luz, & a não reflete”, “Cousa negra, Ater, atra, atrum, ou niger, gra, grum. Cic”, “Negro infausto. Desgraciado. Da cor negra, que he a mais escura de todas, tomamos motivo para chamarmos negro toda a cousa que nos enfada, molesta, & entristece” e, por fim, como “Homem da terra dos negros, ou filho de pays negros”. Negra era também definida como “mulher natural da terra dos negros, ou filha de pays negros.” (Bluteau, 1726: 702- 703).  Como “terra dos negros ou nigritas” o autor considerava “Líbia ulterior, he huma vastíssima Região da Africa, entre o Zaara, & o Guiné (...)” (Bluteau, 1726: 702- 704). Assim, fazia referência à cor e a origem de nascimento dos sujeitos.

Ao que se tem notícia o termo negro foi amplamente utilizado pelos portugueses e espanhóis para descrição da cor e como uma referência direta à cor dos africanos. A partir da colonização em que novas normas de nomear e classificar foram surgindo, o termo passou a fazer referência ao ser escravo. Segundo Forbes, para os Espanhóis o termo negro, no século XV, estava marcado por uma descrição de cor das populações. Assim, alguns escravizados em Valência eram descritos e classificados como loros, menos blancos ou negros, o termo fazia referência mais geral a tudo que não era branco ou mais escuro. No entanto, o autor ressalta que para o Caribe, a conotação já no início do século XVI era como condição de escravo (Forbes, 1993: 75- 77). No que toca à América Portuguesa, é importante observar que as cartas do Jesuítas por várias vezes fizeram referência aos indígenas como negros ou negros da terra (Forbes, 1993). O historiador John Monteiro apontou que indígenas em São Paulo eram chamados de negros da terra, peças ou forros até o final do século XVII, sempre em situação de escravidão. Ou seja, o negro estava ligado à condição de escravidão (Monteiro, 1993).

Como vimos, o termo na documentação apresentava uma noção pejorativa e era sinônimo de escravo, concretizado já no início do século XVIII. Este processo se reflete, de alguma forma, nas Leis de Liberdades do Índios do Grão Pará e Maranhão. Por exemplo: o Alvará de 7 de junho de 1755 determinou que ficava proibido chamar “índios” de negros, uma vez que “querendo talvez com a infâmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa da África”. Além disso, usar o termo para os indígenas seria “prejudicialíssimo à civilidade dos mesmos Índios” sendo um “abominável abuso, seria indecoroso às Reais Leis de Sua Majestade chamar Negros a uns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de toda, e qualquer infâmia, habilitando-os para todo o emprego honorífico (...)” (Silva 1830: 510). O mesmo alvará também proibia chamar de Caboclo. Sabemos que o termo negro não era mobilizado por irmandades ou confrarias que buscavam ascensão e integração social dos sujeitos que vivenciaram a escravidão, diferente do termo “preto” (mesmo que muitas vezes fosse usado como sinônimo). Assim, negro carregava uma marca pejorativa. Na documentação quase sempre faz referência à condição escrava. Neste sentido, não há “negro forro”, havia “negro da terra” e “negro de Guiné”, o que se entendia ser escravo da indígena e escravo de Guiné/africano. Além disso, por vezes o termo podia ser substituído pela ideia de Gentio ou Gentílico, que no ideário da cristandade era marcada pela noção pejorativa. Os ex-escravizados não utilizaram o termo em suas petições, testamentos, batismo ou em documentos administrativos. Os senhores, por seu lado, sempre utilizaram o termo negro para fazer referência a alguém que estava ou deveria estar na condição de escravo (Lara, 2007; Guedes, 2016; Paiva, 2015, Vinson III, 2017).


REFERÊNCIAS

Dicionários

Bluteau, Rafael, Vocabulario de synonimos, e phrases portuguezas, Supplemento ao Vocabulário Portuguez e Latino, II, Lisboa, na officina de Pascoal da Sylva, 1720, https://purl.pt/13969

Cardoso, Jerónimo, Dictionarium ex Lusitanico in latinum sermonem, Ulissypone, ex officina Ioannis Aluari, 1562, https://purl.pt/15192

Covarrubias y Orozco, Sebastián de, Tesoro de la lengua castellana o española, En Madrid, por Luis Sanchez, 1611, https://www.cervantesvirtual.com/obra/tesoro-de-la-lengua-castellana-o-espanola-0/

Nebrija, Antonio de, Vocabulario español-latino, Alicante : Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2005 (Reproducción digital de la edición de Salamanca, 1495?) https://www.cervantesvirtual.com/nd/ark:/59851/bmcvm466

Pereira, Bento, Prosodia in vocabularium bilingue, Latinum, et Lusitanum digesta... 7ª ed., Eborae, ex Typographia Academiae, 1697, https://purl.pt/30226

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...], Compuesto por la Real Academia Española, Tomo quarto. Que contiene las letras G.H.I.J.K.L.M.N. Madrid, Imprenta de la Real Academia Española, por los herederos de Francisco del Hierro, 1734. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Fontes impressas
Azurara, Gomes Eanes de, Chronica do descobrimento e conquista de Guiné, escrita por mandado de el Rei D. Affonso V, Pariz, na Officina Typographica de Fain e Thunot, 1841, https://purl.pt/216

Diretório que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão, enquanto Sua Majestade não mandar o contrário, Lisboa, Na Officina de Miguel Rodrigues, 1758. https://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/66/110/p677

Silva, Antônio Delgado da, Collecção da Legislação Portugueza, Vol. 1 de 1750 a 1762, Lisboa, Tipografia Maigrense, 1830, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/518674

Historiografia
Forbes, Jack D, Black Africans & Native Americans, Color, Race and Caste in the Evolution of Red-Black Peoples, Urbana, University of Illinois Press, 1993.

Guedes, Roberto e Fragoso, João. (orgs.), História social em registros paroquiais (Sul-Sudeste do Brasil, séculos XVIII-XIX), Rio de Janeiro, Mauad, 2016.

Lara, Silvia H, Fragmentos Setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

Paiva, Eduardo França, Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América entre os séculos XVI e XVIII, Belo Horizontes, Autêntica Editora, 2015.

Vinson III, Ben, Before Mestizaje, The Frontiers of Race and Caste in Colonial Mexico, New York, Cambridge University Press, 2017.