REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Hechizo/Hechicería/Hechicero/Hechicera (ES) | Feitiço/Feitiçaria/Feiticeiro/Feiticeira (PT)

Author: Indira Leão

Affiliation: PIUDHist-CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/1eya-wy81


O Vocabulario portuguez e latino de Rafael Bluteau (1712-1728), o primeiro dicionário em língua portuguesa, além de conceber o conceito de “feitiço” (do latim philtrum) como qualquer ato causado pelo diabo, refere que a maioria dos feiticeiros (feiticeiro do latim magus) são mulheres porque “se deixão enganar do demónio, ou porque, como são naturalmente mais vingativas & envejosas, que os homens, com mais curiosa malicia estudam o modo de satisfazer estas paixoes”. Invoca o texto sagrado hebraico que refere que “este vicio he mais comum nas mulheres” (Bluteau 1712-1728 v. 4: 63-64). Os feiticeiros, contrariamente às feiticeiras (feiticeira do latim maga), com arte e conhecimento fazem “couzas superiores ás forças da natureza” (Bluteau 1712-1728, v. 4: 63-64) com fins diabólicos. “Feiticeria” deriva do italiano fattuchieria, o que significa mágica. O Dicionário de Morais (1789) acrescenta ao conceito de “feitiço” veneno ou drogas preparadas por “arte diabólica para fazer criar amor ou ódio”. Contrariamente a Bluteau, Morais não faz uma distinção mais detalhada entre os conceitos “feiticeira” e “feiticeiro”, somente enaltece o uso de drogas e ervas venenosas pelos feiticeiros com uma possível intervenção diabólica (Morais 1789, v. 1: 605).

Estas definições de “feitiço” e “feitiçaria” patentes nos dicionários portugueses, aparece de forma semelhante no Tesoro de la lengua castellana, o española (1611). Na entrada “hechizo” aparece a seguinte definição: “cierto genero de encantación con que ligan a la persona hechizada, de modo que le pervierten el juicio, y le hacen querer lo que estando libre aborrecería. Esto se hace con pacto del demonio expreso o tácito; y otras veces o juntamente aborrecer lo que quería bien con justa razón y causa. Como ligar a un hombre, de modo que aborrezca a su mujer, se vaya tras la que no lo es. Algunos dizen, que hechizar se dixo cuasi fachizar, de fascinum, que vale hechizería (…)”. Mais adiante a feitiçaria é vinculada a homens e mulheres, contudo está mais conotada com as segundas, pela sua suposta “debilidad”: “Este vicio de hazer hechizos que es comun en hombres y mugeres, mas de ordinario se halla entre las mujeres, porque el demonio las halla más fáciles; o porque ellas de su naturaleza son insidiosamente vengativas; y también envidiosas unas de otras”. No final, menciona pensadores e autores que teorizaram sobre o tema, aludindo também ao Malleus Maleficarum. Conclui com uma referência ao passado heróico e ao rei Dom Ramiro, indicando que “escriben las historias, que con gran cuidado persiguió las hechiceras y a quantos halló culpados los condenó a fuego” (Covarrubias 1611: 465-466).

O Diccionario de la lengua castellana da Real Academia Española refere que a “hechiceria” é uma supestição que “cae mui cerca de la infidelidad”. O “hechicero” é a pessoa que “executa y hace los hechizos”, usado mais ordinariamente pelas “indias que los indios” (RAE 1734, tomo 4: 134). Além disso, é a pessoa que “con su modo, afabilidad o hermosura atrahe las voluntades y cariño de las gentes”. “hechizar” é fazer mal a alguém, transtornando o seu juízo o que implica um pacto explícito ou implícito com o demónio. Não contempla uma entrada para “hechicera” (RAE 1734, tomo 4: 134). Estas designações mantêm-se inalteradas nos dicionários subsequentes da Real Academia Espanhola até 1899, contudo no de 1853 na entrada “hechicero” (RAE 1853, tomo 1: 909) refere que o termo se usa geralmente “hablando de mujeres”.

A feitiçaria e as práticas mágicas eram delitos de foro misto sob a alçada eclesiástica e secular (Inquisição, tribunais episcopais e régios).      

As Ordenações Manuelinas (1514-1521) e as Ordenações Filipinas (1603) incluem um título referente aos feiticeiros, estipulando como condenação a morte para “toda pessoa, de qualquer qualidade e condição que seja, que de Lugar Sagrado, ou não Sagrado tomar pedra de Ara (pedra que se benze e se põe nos altares, e onde se coloca o cálice), ou Corporaes (panos sagrados que servem durante a missa e que se estendem sobre o altar), ou parte de cada huma destas cousas, ou qualquer outra cousa Sagrada, para fazer com ella alguma feitiçaria. (...) [e] qualquer pessoa, que em circullo, ou fóra delle, ou em encruzilhada invocar spiritos diabólicos, ou der a alguma pessoa a comer ou a beber qualquer cousa para querer bem, ou mal a outrem, ou outrem a elle (...)”.

O delito de feitiçaria consta no Regimento de 1640, Livro V, título XIV: Dos Feiticeiros, Sortilegos, Adiuinhadores, & dos que inuocão o demónio, & tem pacto com elle, ou vzão de arte de Astrologia judiciaria. O Regimento declara o “fezer feitiçarias, sortilégios, ou adivinhações, vzando de couzas, & superstições hereticaes” como heresia, “& contra ella procederão os Inquisidores, na mesma forma, que procedem contra os hereges, & apostatas de nossa S. Fé”.

Saliente-se a historiografia ibérica acerca da associação feminina à feiticeira na tratadística jurídica (Bethencourt, 1987; Paiva, 2002; Terán de la Hera, 2017).


REFERÊNCIAS

Dicionários
Covarrubias Orozco, Sebastián de, Tesoro de la lengua castellana o española, En Madrid : por Luis Sanchez, 1611. Pp.

Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico, brasilico, com... / pelo Padre D. Raphael Bluteau. - Coimbra : no Collegio das Artes da Companhia de Jesu,), 1712-1728, vol. 4. Pp. 63-64. https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/249107-vocabulario-portuguez-e-latino-aulico-anatomico-architectonico-bellico-botanico-brasilico-com

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...].  Compuesto por la Real Academia Española. Tomo quatro que contiene la letra H., Madrid, Imprenta de Francisco del Hierro, 1734. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Real Academia Española (RAE), Diccionario Nacional ó gran Diccionario clásico de la lengua española el más completo de los léxicos publicados hasta el dia por Don Ramon Joaquin Dominguez quinta edicion por Mellado. Tomo I., Establecimiento de Mellado, Madrid, 1853. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Morais, António de, Diccionario da Lingua Portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrecentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro, 1789, Lisboa. https://www.cepese.pt/portal/pt/bases-de-dados/dicionario/apresentacao

Fontes impressas
Ordenações Filipinas, Livro V, título XIV: Dos Feiticeiros, Sortilegos, Adiuinhadores, & dos que inuocão o demónio, & tem pacto com elle, ou vzão de arte de Astrologia judiciaria, 1603, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/

Ordenações Manuelinas, Livro V, título XXXIII: Dos feiticeiros, e das vigilias que se fazem nas Igrejas, 1514-1521, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/

Regimento do Santo Officio da Inqvisiçam dos Reynos de Portvgal, Livro V, título XIV: Dos Feiticeiros, Sortilegos, Adiuinhadores, & dos que inuocão o demónio, & tem pacto com elle, ou vzão de arte de Astrologia judiciaria, 1640 https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4483482

Bibliografia
Bethencourt, Francisco, O Imaginário da Magia. Feiticeiras, Saludadores e nigromantes no século XVI, Lisboa, Universidade Aberta, 1987.

Paiva, José Pedro, Bruxaria e superstição num país sem “Caça às Bruxas”, 2a edição, Lisboa, Poliedro da História, 2002.

Terán de la Hera, María José Collantes de (2017), “La mujer en el proceso inquisitorial: hechicería, bigamia y solicitación”, Anuario de historia del derecho español, Nº 87, 2017, 55-87.