REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Fraude/Fraudulento (ES) | Fraude/Fraudulento/Frauduloso (PT)

Author: Fernanda Olival

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/egw7-m874


Fraude vem da palavra latina fraus, dis e entrou de forma direta nas línguas vernáculas, como o castelhano e o português. Significava má-fé, engano, erro, delito.

Com os instrumentos de pesquisa hoje disponíveis, a palavra está documentada, pelo menos desde 1321, no espaço peninsular em textos espanhóis, respeitantes a pagamento de impostos: “que dedes e paguedes a nos abbat e conuiento o a qui esta carta mostrare sin otra carta de procuration, por la fiesta de sancta Maria de agosto, o por la fiesta de sant Gil, carreados e portados dentro en el dicho nuestro monasterio planament, sin fraude ni alargamiento alguno” (Documentos de la Colección Diplomática de Irache, II, p. 218, ano de 1321); “e a todo otro fuero eclesiastico e seglar, e a todo beneficio de ley e de drecho, e de fuero especial e general, canonigo e çiuil, e a la exception de todo punto d'engaynno e de malicia e de fraude e dolo” (Documentos de la Colección Diplomática de Irache, II, p. 244, ano de 1331). Fraudulento aparece desde pelo menos o século XV, segundo o Corpus del Diccionario histórico de la lengua española, mas é possível que seja anterior. Em Portugal, o adjetivo está hoje documentado a partir de 1352 e também existiria no século XVI o adjetivo “frauduloso”, com o mesmo sentido e reportável à Elegíada de Luís Pereira Brandão (Machado, 2008, vol. III).

Covarrubias (1611) não tem uma entrada para esta palavra, mas usa-a três vezes (uma delas numa frase em latim) e também usa duas vezes o vocábulo fraudulento. Da mesma forma, Bento Pereira não apresenta no seu Thesouro (1647) o item “fraude”, mas criou a entrada “Fraudulenta cousa”, feita equivaler a “Fraudulentus, a, um” em latim.

Note-se que já desde a Idade Média estava claro o sentido de malícia, subjacente ao engano consignado na palavra “fraude”. Bluteau (sub voce “fraude”), aliás, atribui-lhe como significado “Engano oculto, com dolo, & sutileza”; remontava a origem da palavra a um tempo passado muito recuado, quando “fraude” designava também uma deusa, venerada para proteger contra os enganos; Bluteau atribui-lhe uma figura monstruosa: “Tinha rosto de molher moça, & fermosa, & corpo de serpente, manchado de varias cores, com cauda de Escorpião”. Interpretava nestes termos o corpo da deusa: “No bom parecer se denotavão as boas aparências com que se disfarça o engano, nas manchas do corpo se representavão as manchas, & vários artifícios, de que usa o Enganador, & na cauda de Escorpião se significava o veneno, que no cabo se acha.” O mesmo dicionarista incluiu no seu Vocabulário as entradas de “fraudulência”, para indicar “malícia fraudulenta”, “fraudulentamente”, feita equivaler apenas a “Cõ fraude” e “fraudulento”, para o que “falla, ou obra com fraude”.

Em Espanha, também o Diccionario de Autoridades registava, no seu volume III, de 1732: “FRAUDE. s. m. Engaño, malicia, falsedad y dolo.”  O significado da palavra era o mesmo em toda a Península Ibérica e manteve-se ao longo do tempo.

Nas sociedades de Antigo Regime, certos grupos sociais, na sua luta pela sobrevivência, eram muitas vezes representados como mais aptos a gerarem estratagemas e a ocasionar fraude. Um deles eram os ciganos. O próprio Bluteau evidencia esse facto na sua entrada “ciganaria”, a que atribuía o significado de “Acção, procedimento, ou sutileza, & fraude de Cigano”. Esta associação era uma forma de desqualificar ainda mais estes grupos.

A fraude, contudo, podia assumir uma forma de subverter regras desfavoráveis, tornando-se uma via de resistência.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez, e latino, Vols II, IV, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712-1713

Covarrubias Horozco, Sebastián, Tesoro de la lengua castellana, o española, Madrid, Luis Sanchez, 1611.

Diccionario de Autoridades (1726-1739) - Diccionario de Autoridades (1726-1739) (rae.es), consultado em 13.Maio. 2023.

Machado, José Pedro, Dicionário etimológico da língua portuguesa, 8a ed., III, Lisboa, Livros Horizonte, 2003.

Pereira, Bento, Thesouro da lingoa portuguesa, Em Lisboa, na officina de Paulo Craesbeeck, 1647.

Real Academia Española (2013): Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (CDH) [en linea]. <https://apps.rae.es/CNDHE> [Consulta: 11/05/2023]

Fontes impressas
Lacarra de Miguel, José María; Martín Duque, Ángel, ed., Documentos de la Colección Diplomática de Irache, II (1223-1397), Pamplona: Gobierno de Navarra, 1986

Bibliografia
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