REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Exílio (ES) | Exílio (PT)

Author: Ivone de Fátima Brito Monteiro

Affiliation: Universidade de Cabo Verde

https://doi.org/10.60469/chzj-2m19


Exílio é um termo usado, entre outras, nas línguas portuguesa e espanhola, para se referir à situação resultante da separação, forçada ou voluntária, de um individuo do grupo a que pertence, geralmente por causas políticas, religiosas ou outras. Desde a mais remota Antiguidade, passando pela Idade Média, Moderna e Contemporânea, nos espaços relacionados ao Ocidente Latino e, posteriormente, às áreas de colonização ibérica no mundo Atlântico termos como: banimento; afastamento/Alejamiento; desterro/destierro; expatriação/expatriación; degredo, entre outros, foram usados como sinónimos de exílio, e normalmente associados à ideia de exclusão da vida social e/ou da vida política. Todavia, pela análise destes termos em contextos do passado histórico e jurídico apercebe-se que entre eles existem matizes conceptuais e pragmáticos que acentuam significativamente as diferenças entre si. Dicionários dos séculos XVI a XVIII apontam a sua origem latina em exsilium ou exilium (exílio ou exílio) e asseguram que o vocábulo exílio advém de exil, que significa “sair”/”salir” ou “saltar”. Jerónimo Cardoso (Cardoso 1569: 70), por exemplo, refere ao termo “exilio. lui. Exultum” (no exílio. Ele. exultou), com aquele significado.  Já Agostinho Barbosa (Barbosa 1611), além de usar várias vezes a palavra, aclara que exílio é o mesmo que «degradar. Mulctare aliquem exilio. Exterminare aliquem ex urbe. Desterrarse ire in exilium. Exulare a patria sua» (exílio é degradar. Punir alguém para o exílio. Exterminar alguém da cidade. Ter medo ir para o exílio. Exílio de seu país). Rafael Bluteau (Bluteau 1712:28) explica que exílio é desterro/destierro.  “Desterrado. Lançado fora da sua terra». Mais informa Bluteau que, «antigamente quando naõ era licito, tirar por crimes a vida ao Cidadaõ Romano; para o obrigarem a sahir de Roma, & buscar sua vida em outras terras, costumavaõ negarlhe agoa, & fogo; donde veyo este modo de fallar, expressivo da causa de desterro”.  Ir-se para o desterro/destierro – “exulatum abire”; ou chamar alguém do desterro/destiero – “aliquem ab exilio reducere”; Ele esclarece, ainda, que “abannatio, onis” - “abandono, fardo”, “como 

chamavaõ os antigos o desterro/destierro, a que se condenavaõ os que involuntariamente haviaõ dado a morte a alguem, ficando pelo espaço de hum anno fora da sua patria», é um termo que «naõ se usa senaõ em termos de Direito”.  Havia nesse período, no mundo romano, o costume de impor a sentença de “aquae et ignis interdictio” - privação de água e fogo - que significava a exclusão do indivíduo da comunidade, dos recursos necessários e básicos à vida (Hillner 2015: 195). Ou seja, no Direito romano, exsilium denotava não só exílio voluntário (destierro voluntario) - como alternativa à pena de morte, ou seja, enquanto fruição do direito à vida -, mas também banimento.

O exsilium entendido como banimento foi prática mantida entre os romanos até a época da República. Com o principado de Octávio (último terço do séc. I a.C.) o exsilium passou a ser uma pena imposta pelo poder imperial, atribuída aos acusados de alguns crimes políticos e de direito privado, na qual, além do local do cumprimento da pena definia-se o tempo que o condenado deveria ali permanecer. Havia três formas de banimento: o deportatio, o relegatio e o in metallum (Hiller 2015: 195, 201). O deportatio (deportação/deportación) era exílio forçado, de duração vitalícia e implicava a perda total da propriedade e dos diretos civis; o relegatio constituía a forma mais branda de deportação; neste tipo de pena o sentenciado preservava a sua cidadania, mas perdia parte da sua propriedade. O tempo de exílio podia ser temporário ou vitalício; O In metallum era a forma mais rara de pena de exílio. Consistia no envio do sentenciado para um local distante para executar trabalhos forçados em minas e pedreiras; esta sentença era normalmente imposta a indivíduos/grupos de “baixo” (Fournier 2006).

Durante os períodos subsequentes o conceito não sofre alterações de fundo, mas a prática do exílio ganhou contornos distintos dos aplicados ao desterro e, no período contemporâneo ao degredo. Assim, com o advento da colonização, mormente a partir do século XVI, quer em Portugal, quer em Espanha, de forma independente ou em coordenação, a Inquisição e o Estado passaram a punir clérigos e pessoas comuns que violavam as leis da Monarquia e os princípios da Igreja Católica, com a pena degredo, doravante usado como sinónimo de exílio. Por exemplo, no Dictionarium Latinolusitanicum (1569: 70), de Jerónimo Cardoso: “Exilium(ij). Ho degredo” (exílio ou degredo) e no Thesouro da Língua Portugueza (Pereira 1697) de Bento Pereira: degredo é “exilium” (degredo é exilio); “Forçosa auzencia da pátria”; “violento apartamento dos seus”.

A pena de exílio/degredo ultramarino ou colonial, que consistia no desterro/destierro forçado de indivíduos, normalmente por causas políticas ou religiosas, a ser cumprida nas ilhas adjacentes ou nas colónias, vigorou nos espaços ibéricos para além de 1850. Portanto, de acordo com os dicionários, fontes e bibliografias consultadas, constata-se que embora o exílio possa decorrer por vontade própria, existe sempre uma força coerciva que, direta ou indiretamente, atua a diferentes níveis tornando-o numa decisão quase sempre “forçada”. Note-se que, por influência do desterro, pena que obrigava alguém a sair do seu país, o exílio tornou-se uma prática jurídica, que se desenvolveu a partir da legislação do Direito Romano. Assim, na Antiguidade tardia passou a ser sentença ou pena judicial, com confisco de bens e propriedades, comportando tanto as penalidades de crimes civis, quanto os crimes no campoda religião e devendo ser cumprido em lugares remotos, normalmente ilhas (Washburn, 2013: 135 - 136). Com efeito, um exilado é um indivíduo que foi condenado a uma pena de exílio, ou seja, obrigado a viver fora da sua pátria; é um expatriado, desterrado, banido, degredado. Um típico caso de exílio externo, voluntário, é o que aconteceu, no contexto revolucionário europeu dos inícios do século XIX, quando D. Miguel deixa o seu exílio em Viena, regressa a Portugal e toma o trono, em 1828, obrigando milhares de liberais, opositores ao regime absolutista a abandonar o país com destino à Inglaterra. Este episódio de resistência ficou conhecido por Belfastada.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Barbosa, Agostinho, Dictionarium Lusitanico Latinum..., Bracharae, typis, & expensis Fructuosi Laurentij de Basto, 1611, Corpus Lexicográfico do Português, http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/LerFicha.asp?Edicao=1&Posicao=1426164.

Bluteau, Rafael, Vocabulario Portuguez e Latino 1712-28, Coimbra, Lisboa, Coimbra, Lisboa, Lisboa Colégio das Artes, Pascoal da Sylva, Joseph Antonio da Sylva, Patriarcal Officina da Musica 1712-1728. Corpus Lexicográfico do Português, http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/LerFicha.asp?Edicao=1&Posicao=1426164.

Cardoso, Jerónimo, Dictionarium latinolusitanicum..., Olyssipone, excussit Alexander de Syqueira : expensis Simonis Lopezij, bybliopolae, 1592. Corpus Lexicográfico do Português, http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/LerFicha.asp?Edicao=1&Posicao=1426164.

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I Volume A – F. Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001

Pereira, Bento, Thesouro da Língua Portugueza, Lisboa, na officina de Paulo Craesbeeck, & à sua custa, 1647. Corpus Lexicográfico do Português, http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/LerFicha.asp?Edicao=1&Posicao=1426164.

Historiografia
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Fournier, E., “Exiled bishops in the Christian Empire: victims of imperial violence?”, in H. A. Drake (ed.), Violence in Late Antiquity: perceptions and practices, Burlington, Ashgate, 2006, pp. 157‑166.

Hillner, J., Prison, Punishment and Penance in Late Antiquity, Cambridge, Cambridge University Press, 2015.

Pieroni, Geraldo (2000). “A Inquisição e os degredados para o Brasil colônia”, Varia História 22 (2000), pp. 42-55.

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Washburn, Daniel, A., Banishment in the Later Roman Empire, c. 284‑476, London, Routledge, 2013.