REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Criptojudaísmo/Criptojudaizante (ES) | Criptojudaísmo/Criptojudaizante (PT)

Author: Fernanda Olival

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/v964-6265


Criptojudaísmo é vocábulo hoje usual. Ocorre, de modo copioso, por exemplo, na historiografia que versa sobre as inquisições ibéricas. Refere-se à prática camuflada da religião judaica, o que terá sido frequente após o início do processo de expulsão geral dos judeus de Castela-Aragão, em 1492, de Navarra 6 anos depois e de Portugal, em 1496-97. Alguns dos que se converteram ao catolicismo e ficaram em solo peninsular mantiveram sub-repticiamente usos, costumes e aspetos da sua antiga religião. No entanto, a palavra não seria usada na época. Covarrubias (1611), Bento Pereira (1647), Bluteau (1712-1728), o Diccionario de Autoridades (1726-1739) e mesmo o Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (até 1975) não a referem e também não mencionam o antepositivo de origem grega cript(o), que significava oculto, secreto. A fazer fé no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, terá sido a partir do século XIX que o termo passou a ser anteposto a formas de “cultismo”, especialmente na área das biociências. Daí, terá transitado para outros campos, como este.

Face ao peso da repressão inquisitorial, o criptojudaísmo foi um modo  importante de resistência, que permitiu a sobrevivência da religião e da identidade cultural dos judeus, designadamente em diversos locais da Península Ibérica e nos respetivos impérios coloniais. “Judiar” ou “judaizar às escondidas”, “praticar os ritos judaicos” era como nos séculos XVI-XVIII se tendia a referenciar estas ocorrências, severamente reprimidas. A última expressão tinha abertamente um sentido depreciativo, assinalava que não se perfilava a única religião verdadeira. Veja-se a este respeito as observações de Bluteau, sub voce “Judaismo” (1713): “Fallandose no judaísmo no estado, e que hoje está, podemos dizer com rezão judaica superstitio, onis (…) se com esta palavra judaismo quisermos significar os costumes, & ceremonias, que hoje guardão os judeos, diremos, judaici ritus, uum”. Como no espaço ibérico do Antigo Regime não havia liberdade de culto, nem se podia admitir que se criptojudaizasse. Muitas vezes essas práticas eram simples particularidades da dieta alimentar (como não comer carne de porco ou peixe sem escamas, por exemplo) ou do modo preparar os alimentos, rotinas domésticas como varrer a casa às avessas (da porta para dentro), guardar os sábados, respeitar jejuns judaicos ou a forma de amortalhar os defuntos, e pouco mais. Com o passar do tempo, raramente envolvia aspetos doutrinários. Os processos da Inquisição por Judaísmo estão repletos de exemplos como os acima mencionados. No caso da Inquisição Portuguesa, o seu principal alvo, em matéria de repressão, até meados do século XVIII, foram as práticas criptojudaizantes dos cristãos-novos, embora o Santo Ofício não usasse este termo.

Note-se que ainda hoje, no primeiro quartel do séc. XXI, o verbo judiar, para além de significar observar a religião judaica, tem igualmente sentidos depreciativos, de tom claramente negativo: fazer troça de alguém, escarnecer, ridicularizar. Fazer judiarias equivale a fazer maldades e cometer judiarias é sinónimo de apoquentar, maltratar, atormentar (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, sub voce “judiar”, consultado em 18/05/2023). A repressão e o imperativo de ocultar terão gerado estes sentidos.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez, e latino, vol. 10 Vols/, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712-1728.

Covarrubias Horozco, Sebastián, Tesoro de la lengua castellana, o española, Madrid, Luis Sanchez, 1611.

Diccionario de Autoridades (1726-1739) - Diccionario de Autoridades(1726-1739) (rae.es), consultado em 9.Maio. 2023.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/judiarias, consultado em 18/05/2023)

Houaiss, Antônio, Villar, Mauro; Franco, Francisco Manoel de Mello (eds.), Dicionário Houaiss da língua portuguesa, 1a ed., Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.

Real Academia Española (2013): Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (CDH) [en linea]. <https://apps.rae.es/CNDHE> [Consulta: 11/05/2023]

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