REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Contumaz (ES) | Contumaz (PT)

Author: Arlindo Manuel Caldeira

Affiliation: CHAM-NOVA FCSH

https://doi.org/10.60469/a7ph-mt57


Em 1712, o Vocabulário Portuguez e Latino do padre Rafael Bluteau regista dois sentidos para o vocábulo contumaz: 1. “O que se tem cerrado com seu parecer sem se deixar reduzir à razão”; 2. “Na prática do Direito, é aquele que, citado por três vezes, ou uma só vez peremptoriamente, não aparece perante o Juiz”.
Nos julgamentos, ao longo dos séculos XVI a XVIII, é sobretudo no segundo sentido que o vocábulo é usado, e nos regimentos da Inquisição de 1613 (capítulos XXV e XXVI) e de 1640 (Livro III, título XXVI), a contumácia surge associada à ausência deliberada dos acusados. Mas no Tribunal do Santo Ofício, a palavra podia ser utilizada em ambas as acepções. Assim, em 1644, o médico Manuel de Almeida, foi entregue à justiça secular porque, depois de admoestado para que “confessasse as suas culpas”, se recusou a fazê-lo, “antes com endurecido e obstinado ânimo, persistiu em sua negativa e contumácia”.  No entanto, os juízes da Inquisição não deixavam de usar o vocábulo no sentido de não comparência, embora os dois significados possam sobrepor-se e confundir-se, uma vez que se considera que a não presença decorre da obstinação, da vontade de persistir “no erro”. Assim, em 1758, Francisco Xavier de Oliveira, o Cavaleiro de Oliveira (ausente no estrangeiro), acusado de apostasia e de críticas directas à Inquisição, “por não aparecer no termo que lhe foi assinado à sua revelia, foi pronunciado por revel e contumaz”.

Em espanhol, a palavra contumaz tem os mesmos dois sentidos que tem em português, podendo significar o que se recusa a comparecer num processo judicial ou o que se mantem inflexível na sua posição, independentemente de esta poder ser considerada errada.  É com este último entendimento que D. Quixote diz a Sancho: “porque no digas que soy contumaz y que jamás hago lo que me aconsejas, por esta vez quiero tomar tu consejo” (D. Quixote, cap. XXIII).
Em ambas as acepções referidas das duas línguas ibéricas, a contumácia pode, em muitos contextos, ser interpretada como uma forma de resistência contra o carácter compressor do pensamento dominante e contra o poder oficialmente instituído.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, P.de Rafael, Vocabulário Portuguez e Latino..., vol. II, Coimbra, no Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712.

Real Academia Espanhola (ERA), Diccionario de la lengua castellana en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad..., vol. II, Madrid, En la imprenta de Francisco del Hierro, impressor de la Real Academia Española, 1729.

Fontes impressas
Regimento do Santo Ofício da Inquisiçam dos reinos de Portugal, Lisboa, Impresso na Inquisição de Lisboa por Pedro Crasbeeck, 1613.

Regimento do Santo Officio da Inquisição dos Reynos de Portugal ordenado por mandado do bispo Dom Francisco de Castro, Lisboa, nos Estaos por Manoel da Sylva, 1640.

Fontes manuscritas
Torre do Tombo (Lisboa), Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 2281, de Manuel de Almeida.

Biblioteca Pública de Évora, Cód. CXXXI/1-19, processo de Francisco Xavier de Oliveira; transcrito em Anselmo Braamcamp Freire e D. José da Silva Pessanha, Arquivo Histórico Português, vol. II, Lisboa, 1904, pp. 281- 315.