REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Cimarrón (ES) | Fujão (PT)

Author: Arlindo Manuel Caldeira

Affiliation: CHAM-NOVA/Univ. Aç

https://doi.org/10.60469/e5s6-zv32


Embora correspondendo a uma realidade bem conhecida em Cabo Verde ou em São Tomé e Príncipe, foi no Brasil que o vocábulo fugião, que se generalizou como fujão, começou a ser usado para designar o escravizado que abandonava, sem autorização, o território e o domínio do seu proprietário para uma ausência que podia ser temporária ou definitiva. Noutros espaços coloniais e no Portugal europeu, as designações mais usadas para situações semelhantes eram a de escravo fugido ou a de escravo homiziado.

No Vocabulario Portuguez y& Latino, Rafael Bluteau refere-se, precisamente, ao “escravo, que fugio da casa do seu Senhor” (Bluteau 1713, v. 4: 224, 2). As pessoas escravizadas que fugiam para se acolherem, com carácter permanente, a refúgios menos acessíveis (ver vocábulos quilombo e mocambo) eram também designadas por quilombolas ou calhambolas ou, menos comum, mocambeiros ou mocamaus. Os fujões recapturados ficavam sujeitos a pesados castigos, muitas vezes cruéis, por parte dos proprietários e, complementando a justiça privada, o alvará régio de 3 de Março de 1741 ordenava às autoridades judiciais que, sem qualquer forma de julgamento, punissem “todos os negros que fossem achados em quilombos, estando neles voluntariamente” com uma marca a fogo numa espádua, com a letra F. Se já tivessem essa marca denunciadora, devia ser-lhes cortada uma orelha (IAN/TT, Leis e ordenações, Leis, mç. 4, n.º 92).
Na América espanhola, desde cerca de 1530 (Arrom 1983: 51), o fujão, primeiro o ameríndio, depois o africano, era denominado cimarrón, adaptando um vocábulo, aparentemente de origem antilhana, que designava o animal doméstico que fugia para o monte e retornava ao estado selvagem. Esse uso é fixado nos dicionários de língua espanhola na edição de 1780 do Diccionario de Lengua Castellana: “se aplica en Indias a los hombres y animales indómitos y montaraces” (RAE 1780: 229:1) e nas que se lhe seguem, ao contrário da edição de 1729, na qual a palavra apenas designa, ainda, os animais indómitos (RAE 1729: 350,1). Os índios fujões eram, sobretudo, aqueles que procuravam escapar aos abusos dos encomenderos ou que abandonavam as suas aldeias para não ter de sujeitar-se às jornadas de trabalho impostas pela mita.

A palavra cimarrón esteve na origem do termo inglês maroon e no do francês marron. No mundo de língua francesa, mas com aceitação alargada entre os estudiosos actuais dessas formas de resistência, foram também forjadas as expressões marronage, com que se designava no Caribe francês o fenómeno da fuga de escravizados; petit marronage, usado para caracterizar a estratégia de indivíduos ou pequenos grupos de cativos que se ausentavam das plantações por um curto período de dias ou semanas, retornando em seguida; e grand marronage, nome dado às comunidades de fugitivos mais estáveis e duradouras.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez & latino, áulico, anatómico, architectonico […], vol. 5, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1713. https://digital.bbm.usp.br

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Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...],Madrid, Joaquín Ibarra, 1780. https://apps.rae.es/ntlle

Fontes manuscritas
“Alvará determinando que todos os negros que forem achados residindo voluntariamente em quilombo, sejam marcados num ombro com a letra F, e, se na ocasião de os marcarem, se verificar que já estavam marcados, então se lhes corte uma orelha”, IAN/TT, Leis e ordenações, Leis, mç. 4, n.º 92.

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