REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Chisme/chismería/chismero/chismoso (ES) | Mexerico/mexericar/mexeriqueiro (PT)

Author: Fernanda Olival

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/dwm4-w326


A palavra portuguesa “mexerico” e “mexericar” são oriundas do verbo mexer, que por sua vez vem do latim miscere, que significava misturar, perturbar, confundir, produzir agitando (Machado, 2003, IV). Por sua vez, a palavra equivalente castelhana “chisme” proveio do grego, schisma, embora Sebastián Covarrubias admitisse que além desta lhe pudessem ser dadas outras origens. Chisme o chismeria e chismero já faziam parte da lista de vocábulos que Elio Antonio Nebrija incluiu no seu Vocabulario español-latino, editado em Salamanca, sem nome de tipógrafo e sem data, provavelmente no ano de 1495. Ali apontava também a origem grega destas palavras.

Em português, tanto a forma verbal “mexericar”, como “mexerico” e “mexeriqueiro” estão documentadas desde o séc. XVI e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, faz recuar mexerico e mexeriqueiro ao século XV. Um António Pessoa,.que chegou à Índia em 1515, na sua carta de serviços datada de Goa de 1548 utiliza sem hesitação o vocábulo, deixando patente o seu cunho negativo: “E disto amdaua algum tamto descomtemte nom saber Vosa Alteza esta verdade de mym / e quererem me apagar estes serviços com mexericos mentyrosos” (Albuquerque; Costa, 1990, p. 388). No entanto, Jerónimo Cardoso não incluiu qualquer das formas acima apontadas no seu Dicionário Português-Latim, de 1569-1570.

Em 1611, o citado Sebastián Covarrubias explica bem o sentido da palavra chismoso. Seria “el que va com nueuas a outro de cosa que deuiera callarla, por auersela fiado, y ser secreta, y dicha en perjuycio de la persona a quien lo reuela, de que ha de tomar desgusto, y lo cuenta con malicia para reboluer y causar diferencias; y assi refiere las cosas por el peor termino que puede. Estos son ciçañeros, que siembran discordias entre los hermanos; ministros de Satanas”. Ainda explicava que o chisme se aproximava do murmurar: “porque la chisme siempre se dize entre dientes passito, y a la oreja”. O que outros ouviam, segundo ele, era o chis-chis, onomateia presente na palavra.

O Diccionario de Autoridades castelhano também dava muita atenção ao efeito do “chisme, que siempre causa discordias y malas avenencias”.

Em 1716, Bluteau atribuia um significado semelhante ao verbo mexericar, acentuado essa mesma vertente do efeito resultante: “Descobrir , & referir cousas ocultas, ou que outros tem dito, para meter dissençoens, & semear cizanias”. O mesmo se passava com “mexericos”, feitos equivaler a “Chocalhices. Cousas que se referem para meter huns mal com outros”. Estas linhas de pensamento estiveram presentes nas definições posteriores: “contar aquillo que se ouvio de um em segredo, principalmente coisa de que há já dissensão, ou que cheira a acusação. (…) intrigar, fazer mexericos, e enredos, tecer inimizades, ódios” (Silva; Bluteau, 1789); “Contos, ou ditos para inimisar huus com outros” (Pinto, 1832). Importa também realçar a intenção com a qual o relato ou dito era reportado. Isto é, o emissor tentava perturbar a recetor, quase sempre sobre um terceiro elemento ausente. O efeito emotivo era intencionalmente produzido.

Pôr a circular enredos, podia ser uma forma subtil de resistência aos poderes instituídos ou um meio de os perpetuar, dependendo do(s) alvo(s) escolhido(s). Nas sociedades do Antigo Regime, o mexerico era receado porque quase sempre afetava a reputação ou a honra, a seleção de parceiros/agentes e a cooperação. A dominante feminina no espalhar de mexericos (boatos), tradicionalmente apontada, tem vindo a sofrer crescente contestação na historiografia (Horodowich, 2005).

De notar que o qualificativo mexeriqueiro era muitas vezes aplicado a navios, nos séculos XVIII e XIX, para designar a embarcação que espiava. Destaque-se, todavia, que o sentido da palavra era sempre de pendor negativo.


REFERÊNCIAS

Dicionários

Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez, e latino, Vol. V, Lisboa: na Officina de Pascoal da Sylva, 1716.

Cardoso, Jerónimo, Dictionarium latino lusitanicum & vice versa lusitanico latinu[m]: cum adagiorum feré omnium iuxta seriem alphabeticam perutili expositione, ecclesiasticorum etiam vocabulorum interpretatione, Conimbricae, excussit Joan. Barrerius, 1569-70.

Covarrubias Horozco, Sebastián, Tesoro de la lengua castellana, o española, Madrid, Luis Sanchez, 1611.

Diccionario de Autoridades (1726-1739) - Diccionario de Autoridades(1726-1739) (rae.es), consultado em 11.Maio. 2023.

Machado, José Pedro, Dicionário etimológico da língua portuguesa, 8a ed., III, Lisboa, Livros Horizonte, 2003.

Nebrija, Antonio de, Vocabulario español-latino (Salamanca  1495?), Madrid, Real Academia Española, 1951.

Pinto, Luís Maria da Silva. Diccionario da lingua brasileira. Ouro Preto, Typographia de Silva, 1832.

Silva, Antonio de Morais. Bluteau, Rafael, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, Vol. 2, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1789.

Fontes Manuscritas
Albuquerque, Luís de; Costa, José Pereira da, «Cartas de “serviços” da Índia: 1500-1550», Mare Liberum, vol.1, (1990), pp. 309-396.

Bibliografia
Fan, Ziyun; Grey, Christopher; Kärreman, Dan, “Confidential Gossip and Organization Studies”, Organization studies, 42, no. 10 (2021), pp. 1651–1664.

Horodowich, Elizabeth. “The Gossiping Tongue: Oral Networks, Public Life and Political Culture in Early Modern Venice.” Renaissance studies, 19, no. 1 (2005), pp. 22–45.

Mínguez, Víctor; Chust Calero, Manuel, dir., El imperio sublevado : monarquía y naciones en España e Hispanoamérica. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2004.

Schulman, Bruce J.; Zelizer, Julian E., Media Nation : The Political History of News in Modern America. Philadelphia, Pa: University of Pennsylvania Press, 2017.