REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Capoeira (ES) | Capoeira (PT)

Author: Cândido Domingues

Affiliation: Universidade do Estado da Bahia (Uneb)

https://doi.org/10.60469/7qz7-m286


Na segunda metade do século XVI, Jerónimo Cardoso, em seu dicionário, referiu-se ao termo Chenotrophiũ como “capoeira dos patos” (Cardoso, 1613 [1569/70]: 43). Pouco mais de um século depois, na obra Prosodia, de 1697, Bento Pereira registrou o termo gabiolarius como “o gaioleiro, o carcereiro, ou que trata da capoeira, do viveiro” (1741: 401). No século seguinte, o padre Raphael Bluteau detalhou um pouco mais diferentes definições da palavra. Segundo ele, era uma “Gayola de Gallinhas. Gavea gallinacea”, mas também, e em sentido militar, “Especie de cesto muito grande, redondo, & sem fundo, feito de ramos entresachados, & que se enche de terra bem batida, & se poem em pè, para cobrir, os que se defendem”.

O dicionarista ainda lembrou que, no masculino, capoeiro referia-se a quem “furta galinhas” (Bluteau 1712, II: 129). Foi com essa leitura que a imprensa e as instituições policiais e de justiça do Brasil imperial reconheceram os africanos que praticavam uma espécie de luta e dança nas ruas do Rio de Janeiro, no século XIX. Estes homens eram vistos andando pela Corte vendendo aves presas em gaiolas feitas de cipó, talas e cordas vegetais levadas sobre a cabeça, as famosas capoeiras. Diante de inimigos ou mesmo por diversão, grupos de escravizados vendedores de galinhas, ao se encontrarem, deixavam suas capoeiras no chão para lutar e dançar.

Na década de 1840, o vice-cônsul britânico em Salvador, James Wetherell, registrou: “uma cena que se vê muito na parte baixa da cidade é a de pretos brigando com suas mãos abertas. Raramente chegam aos socos ou, ao menos, a pancadas capazes de lhes causar sérios danos. Um pontapé na canela é o golpe mais doloroso que um pode dar no outro. São todo movimento, saltando e mexendo braços e pernas sem parar” (apud Abreu, 2004: 3).

Associados à resistência ao cativeiro e a pequenos crimes, logo esses indivíduos passaram a ser perseguidos pela polícia que, também, associaram-nos aos fadistas portugueses e aos galegos. Estes, por sua vez, usavam de suas navalhas para potencializar suas brigas nas ruas do Brasil. Capoeiras e fadistas passaram a frequentar as cadeias do Rio de Janeiro Oitocentista, ora como parceiros, ora como inimigos. Porém, não só a polícia reconheceu o potencial ofensivo e defensivo dos capoeiras. Políticos importantes passaram a financiar grupos de capoeira (as “maltas”) para defender suas candidaturas e correligionários contra inimigos políticos. Somente no século XIX, os dicionários passaram a trazer o novo significado da palavra. Braz da Costa Rubim, além de atualizar o significado para “desordeiro, brigão, que joga às cabeçadas; jogar capueira”, lembrou que também podia ser “mato curto que vêm depois da derrubara do mato virgem” (1853: 18).


REFERÊNCIAS

Dicionários

Bluteau, Rafael, Vocabulario Portuguez e Latino, II, Lisboa, Patriarcal Officina de Musica, 1712, https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico/.

Cardoso, Jerónimo, Dictionarium latinolusitanicum & vice versa lusitanicolatinum cum adagiorum fere omnium iuxta seriem alphabeticam perutili expositione: Ecclesiasticarum etiam vocabulorum interpretatione. Item de monetis, ponderibus, & mensuris, ad praesentem vsum accommodatis. Noue omnia per Hieronymum Cardosum Lusitanum congesta. Recognita vero omnia per Sebastianum Stockhamerum Germanum. Qui libellum etiam de proprijs nominibus regionum, populorum illustrium virorum, fluuiorum, montium, ac aliorum complurium nominum & rerum scitu dignarum, historijs & fabulis poeticis refertum, in vsum & gratiam Lusitanicae pubis concinnauit & ex integrò adiecit, Coimbra, João de Barreira, 1569/70. Reeds. Coimbra 1588, Lisboa 1592, 1601, 1613, 1619, 1630, 1643, 1677, 1694, Coimbra 1695.

Corpus Lexicográfico do Português: http://clp.dlc.ua.pt/Inicio.aspx.

Pereira, Bento. Prosodia in vocabularium bilingue, Latinum, et Lusitanum digesta..., Eborae, 1741 [1697].

Rubim, Braz da Costa, Vocabulario brasileiro para servir de complemento aos diccionarios da lingua portugueza, Rio de Janeiro, Emp. Typ. Dous de Dezembro de Paula Brito, 1853.

Estudos
Abreu, Márcio Nunes de, “A capoeira na primeira metade do século XIX: preservação, continuidade e inovação de tradições africanas no Brasil”, VII SEMOC – Semana de Mobilização Cientifica, Salvador, Universidade Católica do Salvador, 18 a 22 de outubro de 2004.

Soares, Carlos Eugênio Líbano, A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro, 1808–1850, Campinas, Editora da Unicamp, 2001.

Soares, Carlos Eugênio Líbano, “A capoeiragem baiana na Corte Imperial (1863-1890)”. Afro-Ásia, 21-22, 1998, 147-175. DOI: 10.9771/aa.v0i21-22.20966.