REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Brujería/Brujo/Bruja (ES) | Bruxaria/Bruxo/Bruxa (PT)

Author: Indira Leão

Affiliation: PIUDHist-CIDEHUS-Universidade de Évora

https://doi.org/10.60469/5709-h986


O Tesoro de la lengua castelhano o española (Covarrubias Orozco, 1611), apesar de atribuir o mesmo significado a “bruxo” e “bruxa”: “cierto genero de gente perdida y endiablada, que perdido el temor a Dios, ofrecen sus cuerpos y sus almas al demonio a trueco de una libertad viciosa, y libidinosa”, apresenta a noção de “bruxa” de forma mais extensa e nociva que “bruxo” (Covarrubias Orozco, 1611: 153): “ha se de advertir, que aunque hombres han dado y dan en este vicio y maldad, son mas ordinarias las mugeres, por la ligereza y fragilidad, por la luxuria, y por el espiritu vengativo que en ellas suele reinar: y es mas ordinario tratar esta materia debaxo del nombre de bruxa que de bruxo” (Covarrubias Orozco, 1611: 154). E abona-o com os conhecidos tratados demonológicos como o Malleus Maleficarum (1487), de Heinrich Kramer (c. 1430-1505) e James Sprenger (1435-1495), e o Directorium Inquisitorum (c. 1376), de Nicolau Eymerich (1320-1399), obras que tiveram uma ampla difusão na Península Ibérica tornando-se guias essenciais para os inquisidores, afiguraram-se essenciais para promover a circulação do binómio mulher/diabo, contribuindo para a demonização da mulher.

O dicionário de Bluteau (1712-1728), o primeiro em língua portuguesa, refere que o termo “bruxa” vem de Brugis região da Macedónia ou de Bruges cidade da Flandres, “porque em hum, & outro lugar havia antigamente muitas feiticeiras”, já outros dizem que vem de Bruex “que em lingoa Septentrional significa Irmão, & Irmandade, porque as bruxas são como irmãas do Demonio” (Bluteau 1712-1728, vol. 1: 200), sendo que esta referência foi feita por Bartolome de Espina (Covarrubias Orozco, 1611: 154). Em português, segundo o mesmo autor, “bruxas” são mulheres que matam as crianças e chupam-lhes o sangue. “Bruxa” em latim pode-se chamar Strix, strigis Fem que também é o nome de uma ave “infausta & nocturna” que chupa o sangue dos meninos (Bluteau 1712-1728, vol. 1: 200). Não existe entrada para o masculino “bruxo” ou para “bruxaria”. O Dicionário de Morais (1789) já contempla as entradas para “bruxo”: “o que se atribui o poder de fazer bruxarias” e “bruxaria” “acção, ou effeito causado por bruxo, ou bruxa”. “Bruxa” é a mulher que tem pacto com o demónio “em cujo poder faz coisas maravilhosas, e de ordinario mal” (Morais 1789, vol. 1: 200).

Mais tarde, o Diccionario de la lengua castellana da Real Academia Española também dá um duplo significado à palavra “bruja” que pode ser uma ave noturna que assume outras terminologias como quebrantabuesos, ataborma, sanguál, aguila ou zumaya e tanto “bruja” como “brujo” se usa para designar uma mulher ou homem que “tiene comercio com el diablo” (do latim maga, magus, venefica, veneficus). “Brujería” é a ação “de los brujos, ó hechicéros” (RAE 1786, tomo 1: 277).  O Dicionário da RAE de 1817 acrescenta à entrada “bruja” as expressões “es una bruja, ó parece una bruja” para designar a “muger fea y vieja”, e as expressões “parece que le han chupado brujas, ó que le chupan brujas” para se referir a alguém “muy flaco y descolorido” (RAE 1817: 145). A ideia de ações diabólicas protagonizadas pela “bruja” e pelo “brujo” se verifica até ao dicionário da RAE de 1899. O dicionário de 1853 de Ramon Joaquin Dominguez acrescenta à entrada “bruja” a ação de chupar como vampiros “la sangre de las criaturas durante el sueño (...) matándolas por consuncion” e ainda descreve que as “brujas” estão sempre tapadas, conhecem-se pelo olho esquerdo, saem das chaminés “cabalgando en escobas por los aires á manera de aves, bailar en torno del cabron y luego ir una tras outra levantándole la cola y besándolo en el ano” (RAE 1853, tomo 1: 282).

Tanto nas Ordenações Manuelinas e Filipinas como na normativa (Regimento de 1640) e na praxis inquisitorial existe uma preferência pelo uso dos termos “feiticeiro/feiticeira” e “feitiçaria” ao invés de “bruxo/bruxa” e “bruxaria”.

Para entender o processo de feminização da bruxaria desenvolvido por indivíduos pertencentes à cultura letrada vide Schutte, 1991;  Bailey, 2001; Reis, 2018; Ortiz, 2019, entre outros.

Michael D. Bailey alerta para a confusão e a mistura ideológica clerical entre necromancia letrada e as formas mais comuns da feitiçaria, protagonizadas por indivíduos iletrados, aliada à crescente demonização destas práticas, que irão culminar na ideia de bruxaria.


REFERÊNCIAS

Dicionários

Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico, brasilico, com... / pelo Padre D. Raphael Bluteau. - Coimbra : no Collegio das Artes da Companhia de Jesu,), 1712-1728, vol. 1. P. 200. https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/249107-vocabulario-portuguez-e-latino-aulico-anatomico-architectonico-bellico-botanico-brasilico-com

Real Academia Española (RAE), Diccionario castellano con las voces de ciencias y  artes y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana: su autor el P. Esteban de Terreros y Pando. Tomo primero. En la imprenta de la viuda de Ibarra, hijos y compañia. Madrid 1786.  http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española. Quinta Edicion. Madrid en la Imprenta Real, año de 1817. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Real Academia Española (RAE), Diccionario Nacional ó gran Diccionario clásico de la lengua española el más completo de los léxicos publicados hasta el dia por Don Ramon Joaquin Dominguez quinta edicion por Mellado. Tomo I., Establecimiento de Mellado, Madrid, 1853. http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.

Morais, António de, Diccionario da Lingua Portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrecentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro, 1789, Lisboa. https://www.cepese.pt/portal/pt/bases-de-dados/dicionario/apresentacao

Fontes Impressas
Eymerich, Nicolau, Directorium Inquisitorum (c. 1376), Boff, Leonardo (prefácio), http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/inquisidor/index.html

Ordenações Filipinas, Livro V, título XIV: Dos Feiticeiros, Sortilegos, Adiuinhadores, & dos que inuocão o demónio, & tem pacto com elle, ou vzão de arte de Astrologia judiciaria, 1603, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/

Covarrubias, Orozco, Sebastián de, Tesoro de la lengua castelhano o española [Texto impreso] /compuesto por…Sebastian de Cobarrubias Orozco…, 1611, En Madrid: por Luis Sanchez.

Ordenações Manuelinas, Livro V, título XXXIII: Dos feiticeiros, e das vigilias que se fazem nas Igrejas, 1514-1521, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/

Kramer, Heinrich e Sprenger, Jacobus, Malleus Malleficarum: Manual da Caça às Bruxas, São Paulo, Ed. Três,1976, [1a ed. 1487].

Regimento do Santo Officio da Inqvisiçam dos Reynos de Portvgal, Livro V, título XIV: Dos Feiticeiros, Sortilegos, Adiuinhadores, & dos que inuocão o demónio, & tem pacto com elle, ou vzão de arte de Astrologia judiciaria, 1640 https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4483482

Bibliografia
Bailey, Michael D., “From Sorcery to Witchcraft: Clerical Conceptions of Magic in the Later Middle Ages”, Speculum, 76 2001, 960-961.

Ortiz, Alberto, “La comprensión mágica de la feminidad. Opiniones demonológicas acerca de las mujeres y las brujas”, Edad de Oro, XXXVIII, 2019, 14-31.

Reis, Marcus Vinícius, Mulheres de seus corpos e de suas crenças: relações de gênero, práticas mágico-religiosas e Inquisição no mundo português (1541-1595), Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (PhD Dissertation), 2018.

Schutte, Anne Jacobson, “I processi dell´Inquisizione veneziana nel Seicento: lafemminilizzazione dell’eresia”, L’Inquisizione Romana in Italia nell´Età Moderna. Archivi, problemi di metodo e nuove ricerche, Roma, Ministerio per i beni culturali e ambientali, 1991, 163-166.