REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Batuque (PT)

Author: Elter Manuel Carlos

Affiliation: Universidade de Cabo Verde

https://doi.org/10.60469/0k8d-yj95


Batuque é a histórica designação comumente atribuída às danças dos negros, executadas sob o acto de batucar, o bater reiteradamente com pancadas ou palmas seguidas, o estalar de dedos, produzindo ritmo ou barulho mediante o acompanhamento de instrumentos de percussão como tambor ou cimbó (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira s/d: 387). Enquanto expressão utilizada pelo poder colonial português no Brasil e em África para caraterizar e homogeneizar a música/dança dos africanos ou afrodescendentes, a designação batuque comporta referências em textos alusivos a Angola, Moçambique, Cabo Verde ou Brasil. Nos contextos da América espanhola certifica-se a não dicionarização do termo, ainda que seja possível identificar a palavra “batucar” ou “batucada”. 

O termo não se encontra dicionarizado no dicionário de Bluteau & Silva (séc. XVIII), apesar de, desde o séc. XVII, estar presente nas obras de João António Cavazzi de Montecuccolo, para descrever hábitos e costumes dos reinos do Congo, Angola e Matamba. O termo surge dicionarizado apenas a partir do século XIX, como mostra o Vocabulario brasileiro para servir de complemento aos diccionarios da lingua portugueza, publicado por Braz da Costa Rubim, em 1853 (Rio de Janeiro), no qual aparece descrito como “dansa de negros acompanhada de canto, e instrumentos grosseiros” (1853: 10). Algo quase similar acontece com o contexto cabo-verdiano, onde essa prática de resistência aparece no século XVIII sob a designação de zambuna - Proibindo Zambunas na Ilha de Santiago (Lei de 1712, 16 de setembro). Somente nas leis proibitivas do século XIX (BO nº 12, 13 e 14 de 1866 e o Edital de 1898) e na literatura romanesca e relatos de viajantes, no mesmo século, aparece a expressão batuque.

O batuque, nas geografias mencionadas, fora visto pelo poder colonial como erotização dos passos de dança e menosprezo das habilidades dos praticantes, eurocentricamente interpretado como ofensivo da boa moral e contra a civilização, o que motivou uma rígida legislação proibitiva (Nogueira 2015: 23; Pereira 2019: 155; Santos 2020: 59). Os batuques comportam ainda em comum o facto de se erigirem africanas escravizadas em geral. Em Cabo Verde, onde o batuque é uma das mais antigas danças, surgida de uma recriação de elementos trazidos pelos escravizados africanos no contexto do povoamento das ilhas (Carreira, 2000: 132), teve um papel fundamental no processo de desencadeamento de revoltas sociais em Santiago. Muito parecido com o caso do Brasil, em Cabo Verde o batuque contribuiu para o desencadeamento dos processos de identidade nacional. Mário de Andrade, intelectual e folclorista brasileiro, concebe o batuque como uma das danças de mais antiga referência no Brasil, apresentando o termo e caraterísticas polifónicas de um conjunto de danças baseadas em instrumentos de percussão caraterísticas do povo brasileiro (Andrade, 1989:53).  Em Cabo Verde o batuque, tradicionalmente, comportava instrumentos como sinboa (cimbó), violas e tambor, marcando o compasso com o bater nas pernas, mediante uma configuração circular ou em semicírculo, numa estrutura canto-resposta, em que o ponto alto é o requebrar os quadris (da ku torno) até atingir o estado de êxtase (Nogueira 2015; D´ Almeida 2016).


REFERÊNCIAS

Dicionários
Andrade, Mário de, Dicionário Musical Brasileiro. Brasília, Ministério da Cultura, 1989.

Bluteau, Rafael & Silva, A. De Moraes, Diccionario da Lingua Portugueza, Tomo Primeiro, Lisboa, 1789, https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5412

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. IV, s/l, Página Editora, s/d.

Rubim, Braz da Costa, Vocabulario brasileiro para servir de complemento aos diccionarios da lingua portugueza, Rio de Janeiro, 1853, https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/3886.

Fontes impressas
Bando pelo qual é proibido as Zambunas na Ilha de Santiago de Cabo Verde; in SGG. Lv nº 12 (Original Manuscrito. Correspondência expedida às diversas autoridades da Província e fora da Província – 1785 / 1806; fl 93 – f/v. citado por Almeida, José Maria, in jornal Horizonte (14.09.2006, 425, pag.4), sob o título: “Anterioridade de Zambunas, Choros e Reynados da Ilha de Santiago: Uma Perspectiva arquivística”. Lei de 1772 (16 de Setembro).

Boletim Official (nº 12, 13 e 14 Edital de 1866) sobre Proibição do Batuque na Cidade da Praia. Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde.

Cavazzi de Montecuccolo, João António, Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola, Volumes 2-3 de Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga: Secção de Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1965.

Bibliografia
D´ Almeida, José Evaristo, O Escravo & Epistola, Organização de Elvira Reis & Wlodzimierz J. Szymaniak, Lisboa, Ed. Rosa de Porcelana, 2016.

Nogueira, Gláucia, Batuku de Cabo Verde – Percurso histórico-musical, Praia, Pedro Cardoso Livraria, 2015.

Pereira, Matheus (2019). “Batuques negros, ouvidos brancos: colonialismo e homogeneização de práticas socioculturais do sul de Moçambique (1890-1940)”, Revista Brasileira de História, vol. 39, 2019, no 80, 155-177.

Santos, B. Catão Cruz (2020). “O episcopado e as festas na cidade do Rio de Janeiro no século XVIII: o veto aos batuques”, Revista de História, Unisinos, 2020, Vol. 24 Nº3 - setembro/dezembro, 473-487.