REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Abortar (ES) | Abortar (PT)

Author: Mafalda Soares da Cunha | Sandra Cristina Montoya

Affiliation: CIDEHUS-Universidade de Évora | Pontifícia Universidad Católica de Chile

https://doi.org/10.60469/btfe-c966


Abortar tem a mesma grafia em espanhol e em português. É definida em 1516 por Nebrija como “mal parir” (p.2), o mesmo que em Oudin em 1607 (p.4) e em Vittori em 1609 (p.5). O Dicionário de Autoridades, 1726, além deste mesmo significado, cita Fr. Luís de Granada para imputar à mulher a capacidade de interromper a gravidez com mezinhas e ilustra, de seguida, a gravidade do crime: “en la ley antigua mandaba Dios, que el que hieriesse à una mujer preñada, y la hiciesse abortar e malparir estando ya la criatura animada en el ventre, que pagasse con su propria vida” (RAE, 1726, p. 17). Em português, a definição contida na obra de Pereira (1647), posteriormente em Bluteau, na obra de Fonseca e no Dicionário de la Língua Brasileira, 1832, é semelhante: “parir antes do tempo”.

O ato de abortar nem sempre era acidental e pode, por isso, revelar intenções dos agentes envolvidos. Com efeito, o aborto, podia ser provocado ou buscado pela própria grávida como forma de apagar a evidência de que tinha tido relações sexuais antes do casamento, extraconjugais, vítima de violação ou de se livrar do resultado indesejado de uma relação conjugal. Dependendo das situações, pode identificar o desejo de se conformar com o quadro ideológico dominante ou constituir um ato de resistência das mulheres. Deste modo, o infanticídio que, a partir da conquista espanhola, foi bastante praticado pelas indígenas pode ser entendido como resistência à conquista. Mas a interrupção da gravidez nem sempre era voluntária e podia resultar da ação de terceiros através de empurrões ou pancadas. São exemplos a denúncia feita por Maria Carlota em 1831 de que a agressão física que lhe fizera, em Almeida, um tal Francisco José António de Araújo, ferreiro, resultara num aborto (Feitos Findos, Processos-Crime, Letra F, mç. 52, n.º 19, cx. 106); ou a acusação feita ao Padre Manuel Joaquim de Azevedo Lobo que viveu amancebado com Quitéria, criada de João de Carvalho, a quem engravidou e diligenciou depois que fizesse um aborto (ANTT, Feitos Findos, Processos-Crime, Letra M, mç. 9, n.º 28, cx. 20). Eram também práticas relativamente comuns entre escravas violadas pelos seus amos.

Existiam vários tipos de práticas anticoncepcionais. Umas das mais comuns era a ingestão de ervas medicinais, como o alecrim, como mostra Juan Rodríguez Freyle no seu livro El Carnero (1984). Conta-se que uma mulher que engravidou de alguém que não o seu marido foi ter com uma negra para lhe dar uma bebida abortiva. Nos territórios coloniais a interrupção forçada da gravidez era exercida principalmente por mulheres negras (livres ou escravas) e por indígenas.


REFERÊNCIAS

Dicionários

Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, áulico, anatómico, architectonico […],  Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 8 vols, 2 supl., 1712-1728.

Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...]. Compuesto por la Real Academia Española. Tomo primero. Que contiene las letras A.B. Madrid. Imprenta de Francisco del Hierro. 1726.

Fonseca, Pedro José. Parvum Lexicon, 1798.

Oudin, César. Tesoro de las dos lenguas francesa y española. Thresor des deux langues françoise et espagnolle. París. Marc Orry, 1607.

Pereira, Bento. Thesouro da lingoa portuguesa. Lisboa : na officina de Paulo Craesbeeck, & à sua custa, 1647.

Pinto, Luiz Maria Silva. Diccionario de língua Brasileira, Ouro Preto: Typographia de Silva, 1832.

Real Academia Española. Diccionario de la lengua castellana compuesto por la Real Academia Española, reducido a un tomo para su más fácil uso. Quarta edición. Madrid. Viuda de Ibarra. 1803.

Real Academia Española. Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...]. Compuesto por la Real Academia Española. Tomo primero. Que contiene las letras A.B. Madrid. Imprenta de Francisco Del Hierro. 1726.

Silva, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1. ed. Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, MDCCLXXXIX [1789]. 2v.: v. 1: xxii, 752 p.; v. 2: 541 p.

Vittori, Girolamo. Tesoro de las tres lenguas francesa, italiana y española. Thresor des trois langues françoise, italienne et espagnolle. Ginebra, Philippe Albert y Alexandre Pernet, 1609.

Fontes manuscritas
ANTT, Feitos Findos, Processos-Crime, Letra F, mç. 52, n.º 19, cx. 106; Feitos Findos, Processos-Crime, Letra M, mç. 9, n.º 28, cx. 20.

Fontes impressas
Rodriguez Freyle, Juan (1985). El Carnero. Bogotá: Círculo de Lectores, 1985.